A falta de conflitos em O Silêncio, da Netflix
Os filmes pós-apocalípticos voltaram a ter certo sucesso com o público. Já perante a crítica, nem tanto. Um Lugar Silencioso parece que iniciou uma nova era sobre discussões e aprofundamentos de universos distópicos. Se durante os anos 2010 o marco maior foi em torno das distopias voltada para os adolescentes, agora essas se tornaram mais “adultas”. Bird Box continuou essa tendência, gerando um estrondoso falatório durante algumas semanas, após sua chegada na Netflix. Em 2019, O Silêncio chegou como outra aposta do canal de streaming para se aproveitar dessa nova moda. O grande problema foi a percepção de simplesmente realizar, sem saber muito bem como.
Na história, o mundo é atacado por um animais que se assemelham a morcegos. Eles não conseguem enxergar e nem perceber o cheiro de nada, contando apenas com sua audição. Ou seja, não se pode fazer barulho algum para não atraí-los. No meio desse caos social, uma família com uma filha surda, Ally (Kiernan Shipka), decide fugir do emaranhado de barulhos da cidade. O único objetivo deles é a paz.
Existe uma problemática bem clara e descarada durante toda a narrativa do filme. O roteiro, escrito pelos irmãos Carey e Shane Van Dyke, não possui conflito algum para dimensionar toda essa situação. Apenas acontecimentos surgem no meio da trama. Esse fato poderia até desmembrar em questões mais interessantes, contudo urge apenas um efeito de bizarrice na continuidade dos acontecimentos. O maior exemplo está mesmo nessa estrutura dos conflitos, aparecendo apenas uma relação realmente dramática faltando apenas minutos para acabar a projeção. Toda a construção dos personagens é bastante tímida durante todo esse tempo. Parece não haver muito o que ser realizado durante o longa.
A direção de John R. Leonetti se torna ainda mais perdida no meio disso tudo. Leonetti busca escapar dessa dramaticidade e de quaisquer desenvolvimento concebendo uma encenação quase aleatória. Parece nunca haver muito bem algo para se fazer, por isso ele sempre dimensiona o uso de planos mais abertos, tentando gerar uma certa ilustração e proximidade com o público. Ele busca realmente levar os telespectadores para dentro de uma situação como essa. Até poderia ser intrigante, todavia é feita de forma totalmente jogada nos mais diversos aspectos. Todo o relacionamento familiar, por exemplo, não tem nenhuma base de consolidação durante as 1h30min. Certos pontos são colocados como relevantes (a asma da avó, um possível romance da protagonista) apenas de lados paralelos. Não existe uma tentativa disso fazer parte desse universo. Ele apenas existe, além de não parecer ser bem um perigo real. A própria sequência em que os animais invadem a cidade é feita sob uma ótica televisiva, teletransportando esses acontecimentos para uma casa de campo.
Toda essa aleatoriedade da narrativa conduz a um lado meio bizarro para os personagens. Todos aqui são simplesmente um esquecimento, acontecem no ar. O principal se foco no filho, Jude (Kyle Breitkopf), totalmente desnecessário para o debate temático da produção. Seu servimento é apenas em uma cena, também reforçando essa aleatoriedade e a falta de alguma real aparição mudar os arcos. Tudo parece calmo e tranquilo demais em um cenário de destruição e mortes. Isso só é reforçado pelo clima positivo ao fim.
Ainda assim, o diretor sabe bem a forma de trabalhar pequenos instantes de terror dentro da trama. Eles são definitivamente poucos, porém sempre muito necessários para construir este mundo apocalíptico, algo exemplificado pelo jogo de câmera em períodos mais tensos, trazendo uma lateralidade que remete ao slasher. Não é uma busca padronizada pelo susto na ação e reação, mas simplesmente na expectativa do ato em si. Os personagens se tornam peças centrais nisso ao serem o fio condutos para esses ápices acontecerem. O clímax com a menina aparecendo e a cena de Hugh (Stanley Tucci) e Ally em um ambiente fechado corroboram bem este fator.
O Silêncio é um erro gigantesco por parte da Netflix. Mesmo com alguns pequenos focos de brilhantismo, tudo é colocado por água abaixo na perdida concepção de história presente aqui. A descrição da sinopse, dita acima, abarca praticamente mais de 1h10min do longa. Tudo parece perdido, sem saber muito bem qual caminho percorrer. John R. Leonetti pode até ter tentado buscar um cinema de sensações desse horror do apocalipse, mas não as coloca sobre a mesa realmente. Não põe elas em jogo para um real aprofundamento desse lugar. O ato de ficar em silêncio aqui não parece ensurdecedor, nem um medo, apenas uma constatação. E nem tão bem verdadeira assim.