Alita: Anjo de Combate e a construção de um universo

Adaptações de mangás clássicos pelas mãos de grandes estúdios americanos tem se tornado uma grande constante. Se em 2017 A Vigilante do Amanhã: Ghost in The Shell foi um fracasso de crítica e público, buscou-se uma nova obra para ocupar essa lacuna e capturar os fãs de animações/mangás japoneses aos cinemas. Alita: Anjo de Combate chega, dessa maneira, em uma tentativa de trazer algo novo, contando a história de uma ciborgue descoberta e reconstruída por um cientista. Uma trama quase clássica da ficção-científica, sob um olhar quase bizarro e remetendo ao Expressionismo Alemão. Infelizmente, o que poderia ser muito bom, soa bem mais comum do que o imaginado.

A direção de Robert Rodriguez possui até um certo olhar mais autoral para a obra, solidificando uma apresentação bem dinâmica e extensa desse universo para o público. Sua encenação se pauta em uma dualidade do uso de planos mais abertos e outros mais fechados, afim de estabelecer diálogos. Com isso, ele consegue pautar os pequenos detalhes desse mundo, desde as aparições constantes de uma cidade acima da outra até tracejando um destaque para as pequenas expressões da protagonista Alita (Rosa Salazar). Esse fator se mostra até necessário para a dinâmica do terceiro ato, onde todas as relações construídas de heróis e vilões são postas em cheque, algo sempre remetido dentro da narrativa pelas aparições do ciborgue Grewishka (Jackie Earle Haley).

Mesmo com uma dinâmica bem particular, não se trabalha um condutor de trama bem claro aqui. Por um lado, Rodriguez consegue, com isso, trazer pequenas situações aleatórias afim de acrescentar características de seus personagens. Um desses grandes exemplos é o jogo, fundamental para ir à cidade superior. Ele é trazido em diversas sequências do enredo, servindo até como um condutor paralelo, porém se fechando como algo bem próprio (essa questão, inclusive, relembra bastante Rollerball: Os Gladiadores do Futuro). Por outro lado, isso deixa a trama ainda mais inchada e buscando ser bem maior do que realmente é. O ponto principal desse elemento é toda a relação dos caçadores de recompensa, algo alimentado como relevante em diversos momentos, principalmente devido a presença de Zapan (Ed Skrein), porém acaba sendo esquecido em outros. Toda essa ação é apenas necessária aos pequenos arcos, sendo sempre deixadas de lado de tempos em tempos.

Tendo toda essa construção em mente, há uma perda de foco da narrativa em um debate filosófico mais aprofundado. Ele chega até a aparecer em alguns instantes – algo mais próprio do antigo casamento entre Chiren (Jennifer Connelly) e Dyson Ido (Christoph Waltz) com a perda da filha -, mas esse lado da ética dos robôs, bem próprio do celebrador autor Isaac Asimov, é totalmente deixado de lado. Rodriguez prefere maximizar todas as sequências de ação, sempre a resultarem como uma construção de algo maior. Até existe, nesse sentido, uma criação de um debate sobre consciência de classe e vigilância total, bem próximos de 1984 e Metrópolis. Entretanto, parecem ser coisas apenas deixadas em aberto para serem lembradas em possíveis sequências futuras.

Alita: Anjo de Combate consegue ser um longa até interessante quando parte propriamente para sua vontade direta de construção do universo. Apesar disso, parece perdido dentro de um ciclo contínuo na sua repetição narrativa, lembrando raramente que há uma história sendo contada. É como se Robert Rodriguez estivesse preocupado em uma transformação de série ou derivados bem claramente, por isso prefere deixar tudo em aberto e entender apenas como o universo apresentado funciona. Poderia até ser algo válido, caso a produção se mostrasse afim disso em todos os momentos, mas existe uma tentativa sempre de mascarar esse lado mais comercial presente, com uma relação bem própria de um cinema de ação do início dos anos 2010. Se o cineasta já conseguiu fazer melhor em outras obras, é neste filme que ele poderia ter ido bem mais além.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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