Amor, Guerra e Demolidor

Demolidor é um personagem cercado de uma complexidade bastante pessoal em sua trajetória. Isso pode ser dito a partir de uma perspectiva da vida de seu alter-ego, Matt Murdock, ou por uma relação de seu universo, marcado por uma problemática urbana e pessoal dos vilões também. É um mundo composto por uma amargura onipresente, de falhas e da violência urbana destruidora de todos os personagens. Em Amor e Guerra, a história explora um limite nesses seres da Cozinha do Inferno. De um lado, o Rei do Crime – Wilson Fisk – quer trazer seu amor de volta, Vanessa. Para fazer isso, ele irá até todos os limites morais possíveis. Já o Demolidor deverá acabar tendo que evitar tudo sobre esses atos, repensando sobre si mesmo e sobre sua vida.

Existe um certo nível de interesse sobre as engrenagens do bairro muito proposto e apresentado no roteiro de Frank Miller. O autor, talvez o mais importante do herói, busca expressar isso bem mais nos pensamentos de cada personagem do que mesmo em suas ações. Antes de se apaixonar por ela, o Wilson Fisk levaria sua amada para ser uma escrava; Matt só consegue conter o maníaco psicopata enviado por Fisk através de agressividade e impulsividade; o médico chamado por Wilson acaba o traindo. Todas as características dessa situação está muito mais relacionada a uma característica do ambiente, por tudo apresentado.

Miller consegue alocar o conceito próprio de amor e guerra ao ir até os limites disso em um universo sugado pela violência. Nela, o sangue escorre como a própria roupa de um protagonista até benevolente (a roupa vermelha) e chega aos limites nas cenas ocorridas dentro do submundo. Ele não chega a propor um julgamento direto, como faz em Cavaleiro das Trevas ao mostrar os jornais e os programas discutindo as atitudes, porém tenta trazer a funcionalidade de todo crime. É uma fala e uma defesa bastante clara da forma que a criminalidade toma e administra até as relações mais básicas, como a amizade – algo explicitado pelos poucos diálogos, mesmo entre aliados – e amor.

Bill Sienkiewicz consegue ainda ir além em seus desenhos buscando uma estética meio estranha e meio idealizadora de beleza. A escolha por uma aquarela afeta diretamente tudo, por elevar essa plasticidade nas sequências de ação (a fuga de Demolidor com Cheryl ilustra bem isso) e tratar uma melancolia nas sequências sem diálogo, buscando planos mais abertos. Todo o início, edificando ao máximo a tristeza do Rei do Crime, já traz o uso desses espaços para um caminho de tentar entender os vazios do próprio sistema. Quando as relações pessoais acontecem na trama, elas são cheias de cores mais vibrantes, especialmente o azul. Mas, todas são retratadas sob um viés bem distante, mostrando a perda dessa amorosidade inerente a humanidade.

O objetivo desses dois elementos é exaltar um drama corriqueiro na cidade. A perda de um humanismo, exalta essa barbárie na condição cotidiana. Há até um elemento do conceito de banalidade do mal, da autora Hannah Arendt. É a demonstração do mal estar tão consolidado nos heróis e vilões que qualquer traço positivo acaba sendo esquecido, deixado de lado. Isso remete bastante a toda situação de Matt tentando buscar uma forma de falar com Cheryl até o grande ápice climático do fim.

Amor e Guerra possui um entendimento bem claro e direto de demonstrar essa complexa estrutura social e urbana da Cozinha do Inferno. Ao explorar diversos elementos menores em torno da simples ideia de uma busca do Rei do Crime por trazer de volta o amor da sua vida, Frank Miller mostra o interesse desse conjunto sobre um fator menor. As atitudes criminais de Fisk parecem recair sobre suas costas em diversas cenas, mostrando quase um arrependimento sobre tudo. De fato, quem acaba realmente realizando as ações negativas de toda a narrativa é um personagem já psicopata por natureza. Ele realmente confronta todos os instantes. Seria ele apenas alguém separado, ou simplesmente um entendimento sobre esse núcleo social? Independente de tudo, o Demolidor parece ser apenas mais um nessa engrenagem, inerente a tudo que acontece.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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