Crítica – Propriedade

A quem pertence uma propriedade? É só uma questão financeira, quem compra leva? Hereditária, com as posses do indo de uma geração para outra? E quem trabalhou nela de fato, dando suor, tempo e até mesmo, sangue pela manutenção e crescimento daquele domínio, teriam esses a chance de terem posse naquilo que trabalharam?

Propriedade não está interessado em responder essas questões, mas as usa como ponto de partida para um interessante exercício de tensão, tendo como estopim conflitos de classe, aparentemente impossíveis de resolver. É o segundo filme do diretor Daniel Bandeira, que trabalhou constantemente com Kleber Mendonça Filho, e parece ter absorvido o olhar atento para as dinâmicas sociais do autor de O Som ao Redor.

No filme, acompanhamos a estilista Teresa (Malu Galli), que após ter sido feita refém por um bandido, passou a viver de modo mais recluso, evitando sair de casa e qualquer tipo de contato do exterior. Seu marido, Roberto (Tavinho Teixeira), a convence a passar um tempo na fazenda da família, como maneira de tentar ajudá-la a ter uma vida normal.

O local, entretanto, está passando por uma revolta. Após serem informados que estão sendo dispensados, pois a fazenda irá ser transformada em um hotel. A situação trabalhista deles é, no mínimo, dúbia, visto que seus documentos foram tomados por Roberto, e todos parecem morar no local. Uma briga com o capataz leva a morte do mesmo, e a chegada do casal torna tudo mais tenso. Roberto é ferido numa troca de tiros e Teresa tem como último refúgio o carro recém blindado.

Há uma preocupação em fazer os dois lados terem seus sentimentos compreendidos. Os primeiros momentos do longa se dedicam a estabelecer o medo de Teresa, que não se sente segura nem mesmo dentro de sua casa, a câmera sempre se preocupando em colocá-la como prisioneira de algum modo, criando distância entre ela e o mundo exterior. Já os trabalhadores, seus corpos costumam falar por si, quase todos têm cicatrizes, lembranças do abuso, e uma até mesmo é marcada a ferro com as siglas da fazenda.

A dimensão do que esses trabalhadores passaram na fazenda nunca é explorada a fundo, há menções sobre uma tentativa passada de unir todos os trabalhadores, mas fica só na menção mesmo. O que leva a narrativa para frente é a dificuldade entre as duas partes se entenderem, em parte pelo medo de Teresa, e também pelo seu isolamento, já que dentro do carro, ela não consegue ter noção dos movimentos realizados pelo grupo, que fora de contexto, soam muito mais irracionais do que realmente o são.

Nos momentos finais, Propriedade dá mais espaço para situações mais gráficas e viscerais, quando qualquer tentativa de diálogo se torna impossível. Tem a sua graça, como o público da sessão em que eu estava bem demonstrou ao gritar quando Teresa perfura um algoz com um tridente, mas não deixa de ser uma saída estranha para um debate que poderia ser melhor aproveitado no filme.

Esse texto faz parte da nossa cobertura do Festival do Rio 2022

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