Desventuras em Série encerra sua interessante jornada na terceira temporada

Após o grande boom que a saga Harry Potter trouxe ao mundo do entretenimento, foi possível acompanhar o surgimento de diversas séries literárias infanto-juvenis que seguiam na mesma pegada. Entre elas, estava a incomum saga de Lemony Snicket (pseudônimo de Daniel Handler) sobre as desventuras e desgraças dos irmãos Baudelaire. Desventuras em Série é uma série de 13 volumes, concluída em 2006. Dois anos antes, recebeu uma adaptação para o cinema, com Jim Carreyno papel do infame Conde Olaf. Ainda que não tenha sido um fracasso, a continuação do filme nunca veio, deixando os fãs ansiosos para ver os outros livros ganharem as telonas. Ao invés disso, ganharam as telinhas.

Distribuída e produzida pela Netflix, o seriado começou em 2017, retomando a história do início, estrelando Neil Patrick Harris como Conde Olaf, Malina Weissman, Louise Hynes e Presley Smithcomo Violet, Klaus e Sunny Baudelaire, respectivamente. A narrativa é a mesma: o trio de irmãos perde os pais em um terrível incêndio, sendo obrigados pelo inconveniente banqueiro Sr. Poe a morar com o tutor mais próximo, o ator Conde Olaf. No entanto, o conde só está interessado na fortuna das crianças e está disposto a ir a caminhos mortais para garantir que os órfãos não fiquem em seu caminho.

Se adaptar livros não é uma tarefa simples, adaptar o material escrito por Lemony Snicket se torna algo muito mais complicado. Ainda que os livros tenham uma narrativa simples e ágil que mantém os pequenos (e os grandões) interessados, o autor se usa de diversos artifícios nada comuns para contar a história e apresentar seus personagens, cenários e tramas, como mostrar as diversas definições que palavras podem ter, o uso repetitivo de uma mesma situação em versões diferentes etc. A maneira com que o seriado traduz isso é bem coerente, trazendo Patrick Warburton como o narrador, sem esquecer de suas características interrupções em meio à ação para trazer informações que em algum momento depois se tornarão relevantes.

Ainda assim, durante os três anos, a produção criada por Mark Hudis e Barry Sonnenfeld conseguiu se manter fiel ao material de origem e ainda assim trazer um senso de identidade própria visual e narrativamente. Enquanto a primeira temporada tornou-se maçante neste aspecto, os anos seguintes souberam equilibrar uma narrativa densa de pessimismo e desventuras com humor, dinamismo nas tramas paralelas e performances mais inspiradas.

A terceira temporada chegou no primeiro dia de 2019, cercada de muita expectativa. Além de ser o último ano da série, adaptando os quatro livros restantes da saga literária, teria a missão de encerrar a história dos Baudelaire e trazer (ou não) as respostas para as perguntas que foram sendo deixadas ao longo dos 18 episódios anteriores. Felizmente, os produtores fizeram um ótimo trabalho. Não só os eventos são traduzidos de maneira esperta e ágil para o visual, como o roteiro também encontra espaço para desenvolver os personagens coadjuvantes, fazendo com que o espectador se veja cada vez mais apegado até mesmo aos capangas do vilão. Assim como Sara Canning, Nathan Fillion e Sara Rue fizeram na segunda temporada, Usman Ally, Allison Williams e Max Greenfield dão um frescor para a trama que “Desventuras” sempre precisa, trazendo esperança não só para os pobres órfãos, mas também para o público. Vale destacar também a participação mais do que especial de Morena Baccarin como a emblemática Beatrice.

Além disso, os episódios finais também surpreendem ao trazer diferenças mais do que necessárias do material original. Se a fidelidade aos livros angariou muitos elogios antes, fugir disso no final é uma das melhores decisões narrativas do seriado. Dessa maneira, ele entrega até mais do que o esperado, satisfazendo aqueles que estavam ávidos por soluções para os crescentes mistérios que cercavam o passado e o presente dos personagens e também aqueles que, como o autor Daniel Handler, preferem algo mais aberto.

Se há algum defeito na série, no entanto, ele está em seus aspectos técnicos. Se em episódios como A Gruta Gorgônea os cenários plásticos e coloridos se misturam bem com os figurinos e acrescentam ao tom teatral sempre presente, os efeitos especiais em muitos momentos são desastrosos, particularmente aqueles envolvendo o mar e viagens de barco. Quedas e voos também não são muito renderizados. Pessoalmente, apesar de visualmente feio, não é um incômodo, mas é compreensível que certa parte de público não consiga comprar uma narrativa com efeitos visuais tão pobres.

Fica claro, então, que Desventuras em Série é mais um acerto da Netflix. Uma produção com uma narrativa e história tão incomuns que é quase impossível não se deixar cativar por seus mistérios e personagens enfadonhos. Apesar de não ser livre de defeitos, seus acertos se mostram mais do que certeiros, culminando em uma produção criativa e diferente, perfeita para todos os tipos de público. Se os livros de Lemony Snicket são uma grande homenagem ao conhecimento e à cultura, mostrando como eles podem ser uma esperança em momentos difíceis, o seriado traduz isso muito bem, deixando uma mensagem mais do que necessária nos dias de hoje.

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