Máquinas Mortais é uma genérica fantasia

O steampunk sempre foi um gênero renegado no cinema, ganhando mais destaque em animações como Planeta do Tesouro e Atlantis: O Reino Perdido. Essa mistura meio crassa entre o passado e o futuro se deu de formas extremamente bem desenvolvidas na literatura e, principalmente, nos games, com a franquia Bioshock. Dentro dos livros, Mortal Engines, de Philip Reeve, acabou sendo uma das obras influentes dentro do gênero, produzindo uma série sobre o impacto do poder, ao transformar as cidades em máquinas gigantescas (quanto maior a cidade, maior o tamanho da máquina) passíveis de “engolir” outras menores.

É assim que Máquinas Mortais se inicia. Adaptação do livro homônimo, o longa conta uma história política sobre Hester Shaw (Hera Hilmar), jovem que tem sua cidade consumida pela gigantesca Londres. Ao tentar assassinar o historiador Thaddeus Valentine (Hugo Weaving) por vingança, ela acaba sendo jogada para fora da cidade junto com Tom (Robert Sheehan), um garoto com sonho de ser historiador e seguir os passos de Valentine. Dessa maneira, a dupla busca por uma maneira de impedir o plano de Valentine de dominar outras cidades, através da construção de uma arma gigantesca e a vingança pelo passado de Shaw.

Conceitualmente, existe uma ideia bem intrigante para toda a trama do filme. Esse conceito é abordado logo na cena de abertura, em uma perseguição bem clara das cidades, com o objetivo de já mostrar o funcionamento desse universo. O diretor Christian Rivers trabalha isso de maneira a entender os dimensionamentos desses monstruosos equipamentos, buscando um plongée quando demonstra a potência da cidade gigantesca perante a menor, e uma câmera mais abaixo, acompanhando todo o trajeto da menor. As dimensões, nesse instante, já se mostram importantes para trazer claramente uma força física desses lugares – essa concepção ainda aparece de forma bem clara na cena de fuga de Hester e Tom às cidades sulistas, logo após o fim do primeiro ato.

Rivers ainda tenta gerar uma abordagem primária sobre distinção de classes, algo estigmatizado de forma ainda mais aparente com a fotografia de Simon Raby. Enquanto esses lugares maiores são idealizados de maneira espetaculosa, com uma diversa quantidade de cores, ficando ainda mais claro nas cenas do interior da cidade de Londres, o resto parece sempre extremamente escuro, quase sujo. Todavia, essa ideia parece ser muito mais jogada do que realmente trabalhada, ao ponto em que o roteiro pouco se preocupa ao desenvolver qualquer sentido social presente nesse universo. A preocupação aqui é claramente sequencial, ao realizar uma narrativa extremamente objetiva, porém altamente remendada.

O roteiro de Fran Walsh, Philippa Boyens e Peter Jackson colabora ainda mais no desenvolvimento extremamente capenga. Há uma exposição sem limites em diversos segmentos, com uma ampla necessidade de rememorar o público com objetos utilizados mais a frente. Apesar de isso poder ser trabalho em uma cena, é feito de maneira extremamente repetitiva, gerando algo totalmente enfadonho ao passar do tempo. Quem mais se adentra nesse aspecto é a protagonista, com diversos flashbacks que expressam fatos já ditos anteriormente e, principalmente, a joia de olho dada por sua mãe, item esse exposto quase como um MacGuffin, porém posto de maneira jogada na trama.

A obra também parece não saber como usar bem seus personagens, sempre renegados a momentos distantes (culpa da montagem totalmente atrapalhada e desnecessariamente apressada, especialmente em quaisquer diálogo) ou aparições rasas. O exemplo mais claro é Shrike (Stephen Lang), cuja presença parece ser relevante no começo mas é logo deixado de lado em uma cena sem nenhuma força narrativa. No que era para ser o ápice de todo o acumulativo de sentimentos entre ele e Herster, tudo é transformado, novamente, em um fluído narrativo jogado, buscando alguma conexão qualquer com a audiência.

Máquinas Mortais é um filme totalmente genérico e esquecível, começando 2019 de maneira decepcionante para os blockbusters. Apesar de possuir um universo intrigante, é uma obra vazia, sem saber aonde pode levar os seus protagonistas e com uma necessidade de sempre repetir suas mais diversas ações. Além disso, o longo se mostra como um bom reflexo da atual geração de cinema hollywoodiano, buscando sempre a grandiloquência com uma grande quantidade de cortes, todavia trazendouma progressão narrativa sempre esperada. É quase uma busca pasteurizada de algo até conceitualmente impactante. O maior problema é que nem a própria obra tem noção disso. Uma pena.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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