O retorno de Veronica Mars: quando paixão e qualidade não se encontram
O poder do fã é sempre uma força com a qual contar. Na era das redes sociais, onde oportunidade e quantidade se tornam voz e dinheiro, esse poder se transforma em algo muito maior.
Um dos títulos que comprovam tal teoria é Veronica Mars. Criado por Rob Thomas em 2004 para o pequeno canal americano UPN, o seriado fala sobre uma jovem detetive que resolve investigar o assassinato de sua melhor amiga em Neptune, uma cidade dominada pelo conflito social. A produção nunca quebrou recordes de audiência, mas conquistou o público que permaneceu fiel não só durante as três temporadas iniciais, mas também após seu cancelamento. O criador e a estrela Kristen Bell bem que tentaram trazer um quarto ano reformulado, mas foi apenas dez anos depois, após uma inspiradora campanha de arrecadação de fundos que os personagens e a cidade tão querida pelos fãs retornaram com um filme que afinal traria um desfecho digno à história de Veronica após o final inconclusivo do terceiro ano.
E você pode pensar que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, mas ele cai. Com um elenco e equipe de produção tão apaixonados pelo projeto por tanto tempo, ficou claro que a jovem detetive sempre teria audiência para suas aventuras. Por isso, foi para felicidade geral dos Marshmellows (como os fãs da série se chamam entre si) que o Hulu anunciou um revival da série em agosto de 2018.
A quarta temporada se passa pouco tempo após o filme de 2014. Veronica deixou para trás uma possível carreira como advogada e está de volta ao mundo das investigações, trabalhando junto com seu pai. Uma polêmica cerca Neptune por causa do spring break, aquele período em que universitários americanos passam o dia inteiro bebendo e fazendo festa. Mas um novo tipo de tensão domina a cidade quando diversas pessoas são mortas por uma bomba, indicando o trabalho de um possível serial killer. Quando as bombas começam a se tornar mais perigosas e mais frequentes, Veronica decide ir atrás do culpado.
Antes de adentrar nos méritos e deméritos do revival, é preciso pincelar o que fez de Veronica Mars algo tão especial lá em 2004. Na época que estreou, as protagonistas de seriados adolescentes raramente fugiam do tipo “moça rica (ou pobre) que lida com a comunidade onde vive e a paixão que está tendo”. Não que sejam narrativas menores ou menos importantes, mas a história de uma jovem com uma arma de choque, que desafia todos os perigos de sua cidade dominada por aqueles que são economicamente mais poderosos, certamente se destacaria. Em sua jornada, Veronica lida com trauma, corrupção policial, violência e machismo. Em uma era antes do Time’s Up, uma protagonista que lida com as consequências do abuso sexual e o constante perigo do estupro era certamente algo antes do seu tempo. Portanto, é fácil entender como Kristen Bell defende tão bem sua Veronica. O inegável carisma e as tiradas espertas da personagem nunca falham em tirar pelo menos um sorriso do espectador, assim como os momentos que exigem mais seriedade e emoção são igualmente eficazes.
No entanto, o roteiro não funciona tão bem aqui quanto o elenco. É realmente curioso como uma equipe que conseguiu equilibrar uma viciante narrativa neo-noir com drama adolescente em 22 episódios não consiga manter um ritmo consistente com 8. A essência está aqui: discutir as consequências sociais que levaram até os crimes sendo investigados pelo protagonista. Mas o mistério não apresenta um conflito realmente eficaz, não propõe tensão verdadeira até os momentos em que você realmente deve sentir medo pelos personagens. A constante sensação de que a única pessoa que não sabe quem é o culpado são os protagonistas inevitavelmente tira o efeito que a narrativa pede para que ela funcione. A conclusão precipitada, com um plot twist que não funciona mesmo sendo coeso, também não ajuda. A sensação no final é de que a trama da temporada foi um “caso da semana” que se prolongou demais. Além disso, os novos personagens, como Matty (Izabela Vidovic) e Nicole Malloy (Kirby Howell-Baptiste) não cumprem o que propõe (no caso de Matty, de ser uma aprendiz no ofício de Veronica, e Nicole de amiga/ajudante).
Mas isso seria perdoável não fosse pela decisão equivocadíssima de matar Logan, um dos personagens mais queridos e importantes para a série, nos últimos cinco minutos do finale. Um dos grandes pilares da série original foi a construção do romance entre Veronica e Logan. A dupla passou por uma evolução bem construída: de inimigos a parceiros forçados até finalmente amantes apaixonados. E se mesmo após a união dos dois como um casal eles não estavam livres de problemas, ainda acompanhávamos como eles superam tais adversidades e encontravam o caminho de volta um para o outro. O grande conflito no revival era o reconhecimento de que talvez o relacionamento fosse tóxico para os dois (se antes o grande problema era como Logan precisava lidar com questões de agressividade e autoestima), mas faz isso de uma maneira que não condiz com o que foi apresentado sobre a psiquê dos personagens. E se no final de tudo esses conflitos são superados com um aguardado casamento, o casal não passa uma semana em matrimônio já que Logan morre vítima de uma das bombas deixadas pelo culpado. É um artifício que não apresenta nenhum objetivo narrativo claro, além de causar sofrimento dentro e fora da tela. Pode soar corajoso, mas de que adianta coragem para decisões que não vão levar a trama adiante?
Anunciado como uma minissérie, por enquanto não há planos anunciados para um quinto ano. Considerando a habilidade que Rob Thomas possui de trazer suas produções de volta à vida, se esse é mesmo o fim da história de Veronica Mars, só o tempo irá dizer. Como um fã assumido da série, no entanto, é triste dizer que das duas conclusões que o seriado poderia ter tido essa última é a menos satisfatória, ainda que de certa forma condizente com a força da personagem-título.