Os artistas devem sempre se posicionar politicamente?

“Não misture política com entretenimento.”

Talvez essa seja uma das frases mais faladas pela população brasileira durante os períodos eleitorais. Essas palavras possuem um teor falacioso na sua essência, visto que qualquer coisa produzida no nosso mundo possui uma relação intrínseca com política. Seja no futebol – não podemos esquecer do movimento da Democracia Corintiana, uma das principais formas de protestos contra a ditadura militar no país -, na música, no cinema ou onde que quer que seja.

Nos últimos dias, a cantora Anitta sofreu uma imensa pressão dentro das redes sociais pela falta de um posicionamento político diante da candidatura de Jair Bolsonaro à presidência da república. Essa crítica veio em torno de grande parte dos seus mais recentes lançamentos musicais, batizado de projeto “Xeque-Mate”, serem focalizados em grupos excluídos socialmente, sejam eles negros, comunidade LGBT, mulheres ou moradores de áreas carentes. Sendo assim, quando um dos candidatos possui um intenso posicionamento contra esses grupos, seria bem óbvio da artista dizer ser contra o mesmo, certo? Algo que, porém, acabou não acontecendo no momento específico, mas foi feito posteriormente em formato de vídeo – mesmo que não sendo da forma ideal.

Sem entrar muito especificamente na questão da Anitta, posto que esse posicionamento seria no mínimo coerente e necessário, é também um direito político da cantora não demonstrar apoio ou rejeição a ninguém, pois o processo democrático do voto é secreto. A polêmico em torno disso, no entanto, acendeu novamente o debate: artistas deveriam realmente dar suas opiniões políticas?

Essa discussão também pode se encaixar no cenário dos influenciadores digitais, que adentram em uma nova maneira de influência perante ao público. Como cidadãos, é óbvio que existe um direito básico de qualquer pessoa se manifestar nas suas preferências e pensamentos, porém o que entra aqui é algo a mais, algo que precisa também ser o cerne da discussão: existe uma influência de pensamento crítico dos artistas para com sua audiência/fãs?

A arte, em geral, é um movimento de plena contestação. Como mostra muito bem o vídeo produzido pelo site Overloadr (que pode ser visto acima), todo processo artístico, seja ele qual for, possui uma relação extremamente entrelaçada à questões políticas e sociais. Até porque, a arte em si é uma forma de expressão, dos anseios por parte do(a) realizador(a) dentro da sua visão de mundo, em que mostra o que está errado, o que poderia ser modificado, em uma perspectiva pessoal. A questão é que, diferente do palanque político, o artista realiza isso de uma forma poética e mais subjetiva, nem sempre explicitando as ideias que defende. E é aqui que entra em debate a pergunta realizada no parágrafo anterior, visto que assistir a um filme, jogar um jogo, ouvir uma música, ler um livro, analisar um quadro, dentre outras coisas, são processos de um intenso diálogo interno do nosso subconsciente. Não, não é apenas o surrealismo que mexe com a nossa cabeça e gera relação de situações ou coisas que nem sabemos, mas simplesmente TUDO que é produzido pelo ser humano detém um pensamento ideológico por trás.

Isso também vem ao caso do próprio jornalismo, no lado da neutralidade, que é impossível de existir. Se existe uma objetividade? É claro que sim, afinal das contas ater-se aos fatos é algo básico que um bom jornalista deve ter, entretanto isso está cercado de uma subjetividade – até mesmo que essa seja inconsciente -, o que acaba por levar a existência do que for falado ir para algum lado. E isso tudo possui uma total conexão com o meio da arte, já que é simplesmente impossível ser neutro em qualquer questão, principalmente a política. Dessa maneira, quando a cantora disse não querer se posicionar, ela praticava sua isenção dentro desse processo por completo, contudo já “explicitando” (digo isso entre aspas já que pode realmente não ser as ideias dela, mas sim o que ela mostrava nas canções) um lado dentre toda essa conversa.

No final de tudo, existe sim um lado propositivo no que acabou ocorrendo. Seja pelo ponto de mais artistas colocarem suas caras para dizerem algo, seja até resolverem se mostrar isentos mesmo, o que, não esqueçamos, também é assumir alguma postura. A arte é uma voz desde sempre do ser humano para relatar situações em que estão no âmago dos pensamentos internos de cada um. Essa voz pode ser expressa da maneira que for, mas ela sempre possuirá uma carga política. Até porque, caro leitor, lembre-se disso: a política não é apenas votação de 2 em 2 anos.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *