Pequenas e grandes Visões

Durante o curso da humanidade, a arte sempre fez-se presente como um papel fundamental de interpretação e pensamento de mundo. Pode-se observar desde a arte rupestre que quem habita a Terra busca se expressar. Ao longo desse tempo, a comunicação começou a ter um papel fundamental e o meio artístico a se expandir, gerando os chamados “clássicos”, ou seja, aquelas que fundamentalmente transformam, ou – como o próprio dicionário diz -, “que serve como modelo ou referência”. Bom, essa longa volta dada por quem vos escreve é pelo simples fato de que a mais recente saga do personagem Visão é um clássico, uma obra-prima, algo totalmente diferente do padrão de super-heróis e, definitivamente, marca seu tempo.

A trama aqui não busca papéis gigantescos. Nesse primeiro volume, lançado pela Editora Panini, o simplismo e a cotidianidade tomam conta por mais de 100 páginas. A questão é bem simples e atinge qualquer roteirista: como trabalhar algo interessante em uma tema relativamente comum? É nsse ponto que entra em foco o maior triunfo que do trabalho, chamado Tom King. Tendo realizado seu primeiro projeto anteriormente com “Xerife da Babilônia” e atualmente assumindo o “Batman” no Renascimento DC, o autor demonstra uma versatilidade absurda.

Em relação à história, King parece ter o controle absoluto do que faz. Sua narração atinge um papel onisciente e onipresente, onde joga informações para o público muito antes delas acontecerem. Além disso, ela também tem o papel de detalhar outras ferramentas narrativas para que as camadas mais profundas demonstradas não se tornem algo fora da realidade de quem lê. Muito mais do que isso, as temáticas tratadas aqui não são apenas familiares, mas vão para o papel do bullying, preconceito, justiça social, american way of life e até sexualidade. Isso tudo de uma maneira subversiva e altamente inovadora.

A melancolia também é um ponto forte desse enredo, no qual o personagem principal parece tentar entender várias vezes a motivação de certas ações. A família à sua volta também possui uma tristeza quase fúnebre, tendo em vista a maneira que são tratados pelos moradores do bairro onde vivem, além de estarem afastados de todos. Esse ponto é retratado bem no início da HQ, onde abre-se o questionamento do porquê de um determinado vaso d’água – artigo de decoração da casa da família – se encontra vazio.

Tudo dito anteriormente só é idealizado de maneira hábil para os quadrinhos devido aos desenhos de Gabriel Hernandez Walta, que mistura um tracejado quase cartunesco, mas de cores extremamente saturadas e um tom pastel frio constante. Além disso, seu modo de contar a história relembram quase o cinema, fazendo com que a dinâmica dentro das páginas nunca se acabe. O real impacto não teria sido dado sem essa incrível arte, que demonstra a necessidade de uma junção de elementos dentro de qualquer arte.

A primeira parte dessa nova HQ do Visão demonstra que o gênero de super-heróis não se resume em ideias ruins e clichês inesgotáveis. Com uma narrativa extremamente bem trabalhada, complexa e inovadora, além de uma combinação perfeita dos traços, a perfeição e a unicidade transformam essa obra em algo primoroso. Se o vazio, melancolia e família já foram retratadas outras vezes na arte, pode-se ver aqui mais uma representação dessas.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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