Primeiras impressões: O Mundo Sombrio de Sabrina

Não é exagero dizer que, em janeiro de 2017, Riverdale estreava na CW em meio à críticas positivas, ansiedade do público e até mesmo um pouco de confusão. Foi uma jogada corajosa trazer personagens consolidados no imaginário popular americano através dos quadrinhos da Archie Comics em um viés mais adulto e sombrio. Enquanto muitos torcem o nariz para o caráter inevitalmente novelístico e adolescente da produção, é inegável que o risco valeu a pena, já que Riverdale é hoje um dos seriados mais populares entre o público e um carro-chefe para sua emissora. Tendo isso em vista, não demoraria muito para que a famosa aprendiz de feiticeira que acompanhava Archie nos quadrinhos desse as caras em uma roupagem semelhante.

O Mundo Sombrio de Sabrina (The Chilling Adventures of Sabrina) estreou na Netflix nesta sexta-feira, 26 de outubro. O novo seriado é baseado nos quadrinhos homônimos, escritos pelo mesmo criador da adaptação, Roberto Aguirre-Sacasa, que pegam os personagens infantis e lúdicos da Archie Comics e os adaptam em uma versão muito mais sombria e séria. Aqui, conhecemos Sabrina Spellman (Kiernan Shipka) a poucos dias de completar dezesseis anos. No dia de seu aniversário, ela deverá passar pelo batismo das trevas, um ritual que oficializa sua identidade como uma bruxa pertencente à Igreja da Noite e entregando sua alma para Satã. Apesar de suas tias Hilda (Lucy Davis) e Zelda (Miranda Otto) acharem que a moça já aceitou o Caminho das Trevas, a bruxinha ainda tem dúvidas. O romance com o mortal Harvey (Ross Lynch) e sua amizade com Roz (Jaz Sinclair) e Susie (Lachlan Watson) faz Sabrina questionar cada vez mais se ela quer mesmo abrir mão de sua vida mortal (e sua liberdade) para trilhar a vida de bruxa.

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O primeiro episódio não perde tempo e já somos apresentados à rotina de Sabrina, tanto como uma feiticeira, quanto como uma estudante normal do colegial. O roteiro é eficiente e orgânico, entregando ao público logo de cara quais são os conflitos que nossa protagonista irá enfrentar, os vilões que entrarão em seu caminho e os sentimentos que ela nutre por quem ama. Apesar disso, não seria má ideia caso o piloto desacelerasse um pouco o ritmo para melhor adequar o espectador ao universo apresentado, que possui uma interessante e complexa mitologia que poderia ser explorada com mais calma. Ao final dos 61 minutos de duração, a sensação é de ter visto um longa-metragem com final aberto.

Um dos maiores trunfos do seriado é seu elenco. Quando ainda estava em desenvolvimento, a casa da produção seria a CW, que transmite o primo distante Riverdale. Quando a Netflix se responsabilizou, no entanto, nomes maiores como Miranda Otto, Lucy Davis, Richard Coyle Michelle Gomez entraram na equação, elevando a produção de Sabrina um perfeito ensemble que pega seus personagens que, por mais que sejam coadjuvantes notórios, roubam a cena sempre que aparecem na tela. Gomez está especialmente inspirada com sua professora Wardwell, uma tímida historiadora possuída por espíritos demoníacos determinada a trazer Sabrina para o lado de Satanás. Davis e Otto transformam Hilda e Zelda em figuras carismáticas e essenciais ao longo dos episódios, ainda que não deixem de ser assustadoras de sua própria maneira.

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Mas nada disso valeria de muita coisa se tudo não fosse ancorado por uma poderosa performance principal e Kiernan Shipka não decepciona em nenhum momento. Desde a primeira aparição até os momentos mais decisivos, Shipka não deixa de apresentar uma protagonista que transmite seus conflitos ao público, criando empatia e até mesmo amizade pela personagem. Sua Sabrina é inocente e amável, ao mesmo tempo em que pode-se ver a construção de uma figura poderosa e destemida crescendo por trás de cachos loiros e figurinos pomposos. Não é uma grande surpresa, já que a jovem atriz mostrou seu talento antes interpretando a filha de Bette Davis no seriado Feud e a jovem Sally Draper em Mad Men. Além disso, o campo do terror não é uma área nova para Shipka, que presentou os fãs do gênero com uma performance assombrosa no horror independente February. 

Quem esperava por qualquer semelhança ao seriado protagonizado por Melissa Joan Hart já pode ir se preparando. Apesar de ter seus excelentes momentos de alívio cômico e humor negro, o seriado não tem medo de apresentar cenas gráficas e pesadas, flertando levemente com o gore em algums momentos. Lúcifer em pessoa aparece diversas vezes, com sequências que podem ficar marcadas na mente daqueles que não são muito fãs desse estilo de entretenimento. A direção de Lee Toland Kriger consegue equilibrar a inocência do mundo mortal de Sabrina com o sobrenatural de seu mundo bruxo de maneira eficiente, algo potencializado pela fotografia, que se utiliza de bordas desfocadas em cenas específicas para contribuir com o efeito “místico” que a narrativa pede.

Portanto, O Mundo Sombrio de Sabrina apresenta um início coeso e interessante, traçando desde já seus objetivos enquanto seriado. O desequilibrio de tom que tanto incomoda em Riverdale não é presente aqui, talvez por uma maior liberdade criativa que a Netflix disponibiliza a seus criadores. Temos aqui um dos melhores dramas sobrenaturais em anos, e a promessa é que só pode melhorar.

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