Vida Selvagem é uma perfeita estreia na direção de Paul Dano
Os momentos primordiais de Vida Selvagem (ou Wildlife, no título original) remetem à ideia da família tradicional americana de classe média baixa: o homem trabalhador, a mulher dona de casa e o filho estudante e um possível prodígio dos esportes. A questão é que esse filme não retrata um padrão, mas sim a quebra dele através da busca pela independência financeira da esposa e o enfrentamento ante um incêndio pelo marido. No meio disso tudo, Joe (Ed Oxenbould), de apenas 14 anos, tenta entender o desmoronamento de seu mundo.
Em seu primeiro trabalho na direção, o ator cult Paul Dano (reconhecido pelo trabalho em Sangue Negro) adota uma estética repleta de ironias, além de um apuro visual, para contar a história em mãos. Ao buscar uma narrativa com a câmera muito parada e movimentos bem suaves, quando feitos, o agora cineasta tenta trazer um olhar quase documental para os acontecimentos, tamanho o impacto das sequências. Se ele poderia mostrar a briga do casal, Dano prefere trazer o olhar do filho de canto, sem capta – ou até negando – o óbvio. Essa força da imagem também é perpetuada em não ter medo de não querer sobressair a técnica acima de tudo, fugindo do cinema ágil da atualidade. Se alguns atores ultrapassam a delimitação do plano, para ele isso pouco importa ao andamento dos fatos.
Toda essa desconstrução da estrutura familiar passa bastante pela figura de Jeanette (Carey Mulligan). Seu ressentimento em talvez não ter feito tudo o que podia, como mostrado na sequência dela falando sobre o cheque no colégio, são catapultados devido a omissão de Jerry (Jake Gyllenhaal), seu cônjuge. Ela agora se vê na necessidade de buscar relações e uma independência pessoal da vida, acima dos laços estabelecidos durante a cerimônia de casamento. Aliás, suas lembranças do passado feliz são demonstrados veementemente no olhar de Mulligan, como uma nostalgia sempre presente. Próximo ao fim, principalmente no clímax, suas ações nunca são julgadas dentro do olhar da direção, tornando-se apenas escolhas íntimas na sociedade.
Como complemento, o elemento nostálgico possui uma volta também nessa finalização do longa, na tentativa do filho de trazer à tona os bons sentimentos pela ideia de uma fotografia. Se a própria concepção da foto é guardar uma lembrança, por que não tentar idealizar alguma boa de um acontecimento ruim?
A metáfora do fogo é talvez uma das sutilezas mais bem construídas dentro da produção. Devido á um incêndio no fundo da cidade, as atenções parecerem querer serem dadas a esse grande acontecimento. Porém, tudo é levado realmente de forma leviana, na qual todos continuam suas vidas como se nada estivesse acontecendo e ninguém estivesse realmente combatendo aquilo. Nisso, há a consolidação dessa comparação de continuar vivendo mesmo com o desespero a volta, de forma totalmente idêntica ao levar da vida do filho, protagonista dessa trama.
Para ser ainda mais completo, a obra necessitava de uma maior substância à alguns elementos pouco explorados, mas importantes nos cerca de 104 minutos. Um deles é a ausência de olhares pela cidade, onde levariam ainda mais a presença do olhar de julgamento dentro da sociedade patriarcal do período (se passa nos anos 60). Alguma conversa entre vizinhos de instantes em instantes poderia ser suficiente para trazer vida dentro da cidade, praticamente morta na maior parte das situações. Outro é a relação estabelecida e jogada de lado entre Joe e uma menina no colégio. No que poderia ser explorado um amadurecimento sexual, até importante dentro do contexto da narrativa, além de maiores informações sobre o incêndio em si, é transportada um relacionamento totalmente esquecido no andamento final.
Dentro do final desse segundo ato, o diretor chega próximo de ultrapassar da linha mais sutil, mesmo sabendo inteligentemente em que pedaço parar. Essa delicadeza se mostra necessária pelo simples fato da história tentar debater os temas da quebra do American Way of Life e do crescimento na adolescência de uma maneira natural perante a audiência. A acertada decisão eleva ainda mais a mensagem apresentada.
O trabalho dentro da direção de fotografia e de arte (realizadas por Diego Garcia e Miles Michael, respectivamente) utiliza o azul de uma maneira totalmente atmosférica para com a cidade e o figurino das pessoas. Essa cor representando toda a frieza melancólica dentro dos moradores e, acima de tudo, dos personagens principais da história. Todos parecem se sentir renegados a cada maneira, transportado uma carga totalmente dramática ao andar da carruagem. Há uma quebra disso em apenas um momento: quando a mãe começa a se sentir livre, usando roupas mais chamativas e buscando um vermelho ou amarelo, para sinalizar mais emoção.
Vida Selvagem é um trabalho primordial de estreia para Paul Dano como diretor. Ao utilizar elementos clichês da vida americana comum, ele estabelece novos parâmetros e desafios aos envolvidos em uma família, que poderia ser qualquer uma. Sua falta de medo em arriscar no âmbito visual, transformam o filme em uma produção única dentro do cinema independente estadunidense hoje. A questão é se. de fato, o Oscar perceberá isso.