Batman: Cavaleiro Branco e as suas desconstruções
Batman é um personagem conhecido e reconhecido no mundo da cultura pop há muitos anos, mais precisamente desde 1939, quando foi criado por Bill Finger e Bob Kane. Desde então, ele possui questões bem únicas as suas características, o que acabaram até por propriamente fundamentar seus vilões. Entre elas, estão a vingança, o sentimento de impunidade, crime, e, mais do que tudo, sua loucura obsessiva.
Em Batman: Cavaleiro Branco, o roteirista Sean Murphy coloca novos pensamentos em cima desses antigos patamares impostos ao herói. Ou, como a própria história desenvolve, um vilão. Esses fatores morais são pautados em uma construção de personalidade proposta pela cidade de Gotham ao homem-morcego, segundo argumenta Jack, mais conhecido como Coringa. A desconstrução dessa figura mitológica é trabalhada pelo ex-vilão, agora que toma seus remédios controlados pela loucura. Toda a região precisa ser salva das mãos de um homem “bom”.
Murphy consegue trabalhar diversos lados realmente intrínsecos ao Batman, tratando de jogar um pouco essa moralidade como pano principal à narrativa. Muito mais do que simplesmente o lado policial e do direito, a figura da mídia na construção de histórias e lados é colocada em xeque, ainda que – por enquanto – de uma maneira ainda superficial (enquanto escrevo, apenas duas edições foram lançadas pela editora Panini). E é fundamental que o debate sobre segurança esteja relacionado à grande mídia, já que existe muito um papel de construção da opinião pública pelo que é falado nos meios. O escritor consegue conceber a ideia de colocar os telespectadores, e até os próprios leitores, em uma dúvida sobre a real índole de Bruce Wayne.
Todavia, este é sempre inabalável em seus pensamentos sobre certo/errado. Em uma das falas mais intrigantes e pouco exploradas na mitologia dessa figura, um magnata de Gotham City revela que a estrutura criminal da cidade gera muitos lucros aos seus domínios. Wayne logo se mostra impulsivo, dando um soco no homem que falava isso. Mais do que simplesmente uma ação, o mascarado coloca em voga sua opinião contra a ideia da indústria do crime – essa, inclusive, presente de forma pungente no mundo contemporâneo. Porém, ainda acima disso, é colocado um ponto de interrogação na cabeça do público, se, no fim das contas, o trabalho de Bruce como magnata também não tivesse benefícios pelo seu papel secreto como Batman. Mesmo que não haja um questionamento explícito sobre isso, é inegável como, de novo, aquela grande figura é desconstruída.
Em uma outra sequência, é também posto em voga essa moralidade do herói. Nesse momento, Arlequina relata sobre a situação em que teve de chamar o homem-morcego pelas atitudes do Coringa de quase matar Robin. É aí que o primeiro chega e simplesmente atinge quase o limite de matar o “antagonista”, porém não o realiza. Será que realmente há ali uma crença em um sistema de melhora desse homem ou simplesmente matá-lo seria a única solução?
As desconstruções não acontecem apenas de um lado, mas também do outro. Como já pode ser visto, Coringa não é mais o mesmo aqui, tendo assumido a personalidade de um humano comum (incluindo sem sua maquiagem tradicional) e tomando até remédios para tratar de seus problemas psiquiátricos. Entrando nesse último ponto específico, a trama cria um novo traço da personalidade desse vilão, agora com uma relação de necessidade pela existência do alter-ego de Bruce Wayne. É impressionante o trabalho de sutileza de Murphy ao mostrar os pequenos detalhes dessa fixação, antes de ser bem chamativo quando mostra um altar que o opositor tinha do Batman – chegando até ser um pouco assustador com o traço de Matt Hollingsworth.
Apesar de não ser inovadora, Batman: Cavaleiro Branco traz discussões não apenas de fácil conexão com o personagem-título, porém com o estado atual do mundo e totalmente relacionáveis ao cerne de quem é o homem-morcego. A facilidade na aceitação de certos discursos propostos por alguém que até pouco tempo parecia representar um lado ruim acabam por ser até instigantes, caso transportados para a realidade. Entretanto, a narrativa não coloca valores a prova, mas simplesmente diz que essa mudança pode acontecer, sem haja a necessidade de tomar um lado, por qualquer razão. Sean Murphy é praticamente isento ao retratar tudo, todavia praticamente alertando que isso é meio que impossível.