Crítica – A Câmara

Discussões sobre representatividade na política sempre são pertinentes, especialmente diante do desequilíbrio do na composição dos quadros de deputados presentes no Distrito Federal. A população brasileira é 51,1% feminina, e na atual legislatura da Câmara dos Deputados, a presença feminina é de 17,7%. Mas é importante lembrar que a atuação dessas deputadas é diversa, com interesses dos mais variados, como bem explica a deputada Margarete Coelho, uma das personagens do documentário A Câmara: “Não existe a mulher, existem as mulheres”.

Essas mulheres são o foco do longa dirigido pela dupla Tiago de Aragão e Cristiane Bernardes, que acompanha a rotina das representantes dentro da Câmara dos Deputados,durante o governo Bolsonaro, conduzindo discussões, participando de entrevistas, costurando acordos, enfim, todas as atividades que cabem à função. Não há entrevistas diretas para câmera, e os diretores se contentam em apontar as lentes para suas personagens e deixar as coisas rolarem.

O que representa um dos principais problemas de A Câmara: não há estrutura alguma. O filme se contenta em ser uma cena atrás da outra sem que isso seja trabalhado de algum modo, não há ritmo ou reflexão proposta. Entendo que a ideia seja um olhar mais direto, “sem filtros” sobre essas mulheres navegando um cenário onde elas ainda são minoria, nos dois lados dos espectro político, mas fica a monotonia de um filme que não sabe o que fazer com seus registros.

Por exemplo, Benedita da Silva é uma política com um histórico extremamente importante no campo político, mas sua presença no documentário é completamente despida de propósito. Ela aparece em poucas cenas,uma aceitando adesivos de campanhas e falando sobre a blusa que comprou na China, em outra gravando material de campanha, um breve discurso na Comissão de Cultura, e é isso. Entendemos muito pouco de sua atuação ali dentro. Por outro lado, há uma longuíssima cena acompanhando uma prece, conduzida pela Deputada Greice Elias, que termina com um outro deputado pedindo votos para a mesma, momento que funciona pela sua espontaneidade, mas não muito além disso.

Mas talvez a melhor prova sobre essa falta de ritmo de A Câmara seja a postura diante de um tema que é recorrente ao longo do documentário, a pauta do aborto, em particular diante do caso da criança de 11 anos que foi induzida por uma juíza a prosseguir com a gravidez. O caso é um dos poucos elementos que criam uma linha entre as cenas do documentário, mas não há espaço para um choque de perspectivas. Uma deputada de direita faz um discurso contra a decisão pelo aborto, e em outro momento, Sâmia Bomfim fala a favor da pauta. São cenas que, se colocadas em proximidade, criaram um choque entre as perspectivas, mas isso não acontece, pois entre uma e outra, o filme mostra outras situações não relacionadas, e o fio narrativo se perde. 

O esforço em mostrar a atuação política para além dos chavões e extremos é sempre louvável, mas muito pouco é feito com as imagens registradas. É compreensível que a ideia seja mostrar o amplo espectro de atuação das deputadas, sem julgamentos, mas faltou um pouco mais de direção nesse retrato.

Esse texto faz parte da cobertura da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes.

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