Critíca – Os Fabelmans

Na primeira vez que fui ao cinema, não consegui assistir ao filme, Dinossauro. Na primeira cena dos meteoros atingindo a terra, repeti o que a lenda diz sobre a exibição de A Chegada do Trem na Estação, dos Lumiére: eu saí correndo em desespero, e não consegui voltar para sala. Só alguns dias depois que, entendendo melhor o fenômeno do que acontecia na tela grande, consegui me acalmar e assistir ao filme.

Dessa maneira, foi impossível, para mim, não criar uma empatia instantânea com o jovem Sammy (Gabriel LaBelle) em Os Fabelmans, novo filme de Steven Spielberg, logo na primeira cena, quando ele revela seu medo de entrar na sala de cinema. Somente após uma explicação racional do pai, Burt (Paul Dano), com a abordagem mais emocional da mãe, Mitzi (Michelle Williams), que a criança vence o temor e entra no espaço, saindo completamente encantado com as cenas projetadas, aquela luz no escuro que nos transporta para os mais variados mundos.

Os Fabelmans

Pai e mãe, técnica e coração. Spielberg torna seus progenitores na representação em carne viva desses dois pontos tão presentes no cinema. Faz isso até de modo muito didático, como na cena acima, com os personagens simplesmente explicando isso, e outros nem tão óbvios assim à primeira vista. Burt aparece no lado esquerdo da tela, enquanto Mitzi, no lado direito. No cérebro, o hemisfério esquerdo dá conta da razão, enquanto o direito, da emoção.

Razão e emoção. Quando sento para escrever minhas críticas, é sempre uma luta entre esses dois aspectos. Cinema tem muita técnica. Montagem, iluminação, composição, tudo isso trabalhando em conjunto para gerar uma sensação. Parece absurdo, querer descrever uma cena que quebra meu coração descrevendo o tipo de plano que ela usou, parece mais ou menos como explicar uma piada, “essa cena me fez chorar que nem criança por conta disso e disso”. Mas você não pode sentir meu coração doendo por mim, então, minha tarefa é fazer seu coração doer por meio desse texto.

Um obstáculo de proporções consideráveis, o que afeta você não é o mesmo que me afeta. Mas também pois Os Fabelmans não é um filme sobre dor, mas também sobre alegria, aquela da criação, e de expor algo que você criou para o mundo e ver o impacto disso nas pessoas, que, por vezes, você nem imagina o que pode ser. Em uma cena particularmente memorável, Sammy cria uma versão idealizada do valentão da escola ao montar um filme, o deixando completamente transtornado: “você fez de mim algo que eu jamais posso ser”. Novamente, absurdo, cinema são só várias imagens paradas se movendo em alta velocidade, montadas em determinada ordem, como algo assim pode ter tamanho poder?

Mas o poder é real, pois, mesmo eu tendo plena consciência de que Mitzi não é real, que se trata, na verdade, de Michelle Williams, quando ela entra num armário, prestes a ter seu segredo mais sombrio revelado pelo filho por meio de um filme – a verdade na mentira -, ninguém me convenceria que a profunda dor demonstrada ali não é real, que a sutil aproximação da câmera em direção ao rosto de Williams não é como se uma mão apertasse meu coração da mesma maneira.

Assim, é claro, como também é muito real meu riso em outros momentos de Os Fabelmans. Tem gente que não gosta de Spielberg. Já vi colegas de crítica chamarem o filme de pífio, piegas. Não concordo com o primeiro, a produção é gigante, indulgente, um cineasta olhando para si mesmo e afirmando seu gênio desde a infância, ´porém se tem alguém que está em posição para fazer algo assim, é o criador do blockbuster como entendemos hoje. Sobre ser piegas, concordo, mas quem disse que isso é ruim? Amor, às vezes, é piegas, se entregar para um sentimento pode, sim, ser um pouco bobo, mas nada melhor do que se render às belas emoções. 

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