Crítica – Nas Ondas da Fé

As primeiras cenas de Nas Ondas da Fé mostram o protagonista Hickson (Marcelo Adnet) como uma figura atormetada, porém feliz. A direção de  traduz esse sentimento, ao colocar ele em trabalhos variados e em uma certa sequência de aleatoriedades – desde trabalhando com carro de som com mensagens amorosas, passando por entregador no mesmo veículo, até mesmo seu trabalho original, como técnico de computadores. Essa construção imagética do personagem é fundamental para entendermos como ele alguém múltiplo, confuso e, ao mesmo tempo, que tem diversas habilidades. A mais especial delas: em usar sua voz como ferramenta de engajar as pessoas.

Esse trecho inicial também compõe um certo olhar de ambientação suburbana do Rio de Janeiro que a obra quer construir. O personagem passa por diversas paisagens, como o estádio Engenhão, sempre atrás de alguma coisa (ele nunca é filmado de uma maneira central nesses momentos). É como se fosse eternamente uma sombra desse ambiente, renegado, colocado de lado. Essa fundamentação constrói Hickson como alguém que, apesar das boas intenções, é também capaz de fazer tudo para não estar atrás de algo, e sim na frente. Por isso, todo o seu drama – e também seu lado mais cômico, no caso da trama -, se inicia.

Nesse segundo trecho é aonde o Nas Ondas da Fé chega ao ponto que quer discutir: uma certa corrupção humana pela religião. Isso porque o protagonista começa a trabalhar em uma rádio de uma Igreja Evangélica local, mas em cargos menores. Ao sem querer entrar com um programa ao vivo e chamar atenção, ele se torna o grande expoente da Igreja, passando a ser uma figura carismática e também lucratica para o lugar, já que seu slogan era sempre pedir R$ 2 para ajudar na cura de alguns problemas. A crítica é óbvia e o longa não tenta fugir dessa mesma argumentação.

Joffily constrói sua encenação sempre através de um olhar exterior para com Hickson. De início, dele mesmo com ele mesmo, ao não se ver fora de uma realidade cotidiana, apesar de amado pelos colegas e pela esposa Jéssika (Letícia Lima). Contudo, a partir do momento em que se transforma em uma persona relevante para uma determinada comunidade, ele passa a ser alvo de julgamento do próprio telespectador – que o vê em cenas fazendo até corrupção, diferente de tudo colocado anteriormente. A direção até coloca ele como alguém que não tem mais barreiras, capaz de tudo para consolidar seu espaço nesse mundo, independente de crença ou não no que está fazendo.

Fica claro como a obra segue em um linear entre um debate profundo e a busca de apenas pincelar elementos cômicos como uma gigantesca crítica. Nesse caminho, é como se a narrativa nunca soubesse realmente de qual forma explorar esse caminho sem soar também agressiva com um determinado público. Enquanto isso, ainda quer ser incisiva no mesmo comentário. Talvez falte um pouco de desprendimento para que o grande ápice da história (após a cena da cadeira, que demarca muito bem a decorrada estética que a produção quer construir) soe mais como um verdadeiro posicionamento do que apenas um mero comentário de rede social.

Desse jeito, Nas Ondas da Fé não deixa de ser um filme divertido, só que parece menos impactante e marcante do que realmente aparenta ser. É menos ácido também, mas é justamente isso que gera esse olhar em um público para qual o longa busca alcançar. Com Marcelo Adnet como um dos protagonistas e o tema “afrontoso”, é fato que chegará em muitas pessoas. O problema é uma busca incessante em soar genial, quando a narrativa ganha em seus menores períodos.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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