Resenha – Em Busca de Mim (Viola Davis)
A vida de artistas negros, especialmente no mundo do cinema, não é nada fácil. É preciso suprimir barreiras e pessoas, além de ter um talento muito superior, na maioria dos casos, para conseguir se sobressair, chamar atenção. E isso ainda acontece com poucos, infelizmente. Ainda é mais comum assistirmos algum filme, lançamento, especialmente dos Estados Unidos, e nos depararmos com uma pessoa branca em tela do que com uma pessoa negra. Caso ela seja negra, ou até mesmo de outra etnia, ainda tem o risco de ser escanteada em tela, e ainda usada como chacota, alívio cômico. Resumindo, é um ambiente difícil, selvagem.
Foi esse ambiente que a atriz Viola Davis enfrentou ao longo de toda a sua vida e que ela narra em Em Busca de Mim, sua autobiografia lançada no Brasil pela editora Record. Através desse olhar psicológico para dentro, e também das suas experiências de vida, vemos a artista como uma figura que conseguiu sobreviver a tudo isso e a todas as dificuldades impostas apenas por ser uma mulher negra. Foi preciso aceitar, em diversas ocasiões, papéis que reforçassem esteriótipos e até mesmo tentar mudar a imagem que tinha de si mesma perante os padrões da sociedade. Com isso tudo, ela conseguiu se transformar em um dos maiores nomes da indústria hollywoodiana atualmente.
Viola, que escreve sozinha o livro, faz uma obra bem mais sobre sentimentos do que sobre circunstâncias ou situações. Em certo sentido, mais lembra um livro de auto-ajuda do que propriamente uma biografia. Em alguns relatos, ela prefere perpassar algum momento ou curiosidade, para colocar o sentimento que tinha em determinado lugar ou com determinada pessoa. Isso fica bem claro no longo texto sobre a faculdade de atuação que fez, na qual a atriz fala bastante sobre a descrição do local e como sentiu com tudo que passou por ali – desde relações amorosas até amizades que ficaram -, mas pouco trabalha o cotidiano.
Talvez falte um pouco uma vontade de enxergar dentro desse olhar psicológico que a autobiografia tem em gerar reflexões críticas sobre si mesma. Davis faz isso em boa parte da sua infância, que são os melhores momentos do texto em si. São aqueles em que ela coloca esses personagens para dialogar e compreender a existência em um ambiente complicado. Aliás, ela não poupa o pai e a mãe para questões que vão aparecendo no decorrer da sua vida e foram plantadas nesse estágio primordial. Ao colocar isso de frente, é quase como se estivesse exorcizando acontecimentos e lembranças que não quissesse deixar para a mulher do presente (todas as vezes que a protagonista fala de uma ida ao psicólogo ou psiquiatra refletem bem isso).
O momento de mais interesse pelos leitores, do inicío e atual pico da vida artisticamente, é renegado a uma parte até bem curta do livro. Novamente, existem até certas descrições sobre alguns acontecimentos, porém tudo passa de maneira rápida demais. Até mesmo um período de destaque – no caso, sua indicação ao Oscar por Dúvida, em 2009 – é também colocado inteiramente de lado. Sua explosão na televisão em How to Get Away with a Murder é apenas uma vírgula dentro de toda a narrativa.
Em Busca de Mim faz até um papel bem interessante nas reflexões de uma mulher negra sobre como chegou até onde chegou. Nesse sentido, e nos instantes que aborda isso diretamente em texto, Viola Davis traz uma visão complexificada sobre o mercado, lembrando das dificuldades dos atores, independente da cor de pele. Isso até consegue gerar uma apatia por parte de quem lê, que se observa como integrante de um grande diário em formato de autobiografia. O maior problema é que isso para por aí, e não conseguimos ver nada além do que já sabíamos ou poderíamos perquisar no Google da atriz.