Crítica – O Urso (Primeira Temporada)
A primeira cena de O Urso mostra o personagem Carmen Berzatto (Jeremy Allen White) aflito, atento, em um ambiente próximo a água e meio desolado. Seu olhos são arregalados assim que ele dá de frente realmente com um urso, assim como o nome do seriado. Toda essa metáfora do enfrentamento do homem com a natureza mais agressiva dele mesmo é o que vai revindicar boa parte dos acontecimentos dessa primeira temporada da produção do Star+. E é justamente nisso, ao usar o subterfúgio da cozinha, que somos capazes de demonstrar nosso lado mais “brutal” e animalesco. É o nosso local de uma libertação da vida comum, e abraço ao estresse constante.
Nesse fervilhão de emoções acompanhamos a vida de Carmen como o dono de um restaurante deixa pelo irmão, Michael (Jon Bernthal). O The Original Beef é tradicional na cidade de Chicago e acompanha a família dele por diversas gerações. No entanto, chegou a vez do jovem chef assumir, após trabalhar em alguns outros restaurantes com pessoas igualmente complicadas. Com a vida quase desmorando e ainda problemas familiares para resolver, ele enfrenta o desafio. Para isso, conta com a jovem cozinheira Sydney (Ayo Edebiri) como sua braço direita. Mas precisa lidar com o primo Richard (Ebon Moss-Bachrach), que comandava o estabelecimento ao lado de Michael, e tudo que envolve a cidade, desde fornecedores atrasados até a criminalidade local.
A criação do produtor Christopher Storer demonstra bem tudo que será apenas com pouquíssimo tempo. Além da cena inicial, já citada no início do texto, possui uma longa trajetória de explicação sobre as dinâmicas de Chicago e do próprio restaurante em um ritmo frenético. O Urso coloca as cartas na mesa ao demonstrar que será uma série sobre essa intensidade, sobre o dinamismo e o desespero. Justamente, sobre nosso lado menos racional e mais animalesco, totalmente representado na figura do protagonista. Ao mesmo tempo que é alguém extremamente introspectivo com tudo que vive, é também uma figura que pode ser explosiva, além de guardar mágoa e ressentimento. O fato de precisar comandar algo o faz se transformar em uma figura completamente diferente.
O seriado traz bem duas dinâmicas fundamentais para os oito episódios, que misturam drama e comédia. Eles são, em primeiro lugar, toda a formatação do próprio restaurante, desde a contratação de funcionários, pensamento dos pratos, brincadeiras internas, organização, falcatruas um com os outros e mais. É um ambiente de trabalho e, por isso, propício para brigas e confusões, em um clima de ebulição. O segundo é a base dramática da produção: a relação familiar de Carmen, seja com sua irmã Natalie (Abby Elliott), com o primo ou até mesmo com as memórias sobre o passado.
Há um aspecto que torna toda a obra ainda mais interessante, que é usar o pulso dinâmico da cozinha como parte fundamental da narrativa. Ou seja, tudo é gigantesco, absurdo, intenso. Pode ser um elemento que soe, em muitas ocasiões, até meio chato para alguns por um lado melodramático que vai sendo desenvolvido, ou por cenas de comédia tão absurdas que quase não fazem sentido. Contudo, é justamente essa conjunção de elementos, que vai do drama familiar até piadas ridículas, que se constrói uma base de conexão do público com os personagens. Até os mais detestáveis são passíveis de serem amados, como parte integrante de um mundo igualmente absurdo. É como se ninguém fosse normal dentro desse universo.
A primeira temporada de O Urso consegue consolidar uma trama que pode atrair e também afastar gregos e troianos. Ao falar sobre uma humanidade em confronto consigo mesma, a série chega até a soar filosófica demais na proposta, e um tanto quanto diferente disso na execução. Porém, é justamente a encenação do absurdo que faz tudo ser tão interessante de se acompanhar. E que, desde os momentos da cozinha até os mais íntimos, os personagens soem como pessoas irreais e totalmente realistas. Afinal, são humanos, são confusos, são estranhos. São animais.