Entrevista com Anita Rocha da Silveira, diretora de Medusa.
Um mundo tomado pelo fundamentalismo religioso, pastores que desejam mais que tudo entrar na política, mulheres “belas, recatadas e do lar” e uma milícia masculina pronta para impor a moral e os bons costumes doa a quem doer. Não é exatamente igual ao nosso, mas as semelhanças são impossíveis de negar. E é nesse cenário que o espectador entrar ao assistir Medusa, novo longa da diretora carioca Anita Rocha da Silveira.
No filme, acompanhamos uma jovem chamada Mariana (Mariana Oliveira) e o seu grupo de amigas, todas muito entregues à religião evangélica, vivendo cada aspecto de sua vida de acordo com o ideal pregado por ela. À noite, esse grupo de amigas sai às ruas atrás de mulheres consideradas “promíscuas” para agredi-las e convertê-las à religião. Mas logo Mariana irá se deparar com eventos que vão mudar sua perspectiva de mundo para sempre, e talvez ela não esteja sozinha nessa jornada.
Em entrevista para o Senta Aí, a diretora carioca destacou um pouco sobre esse segundo trabalho em longa metragem, que teve sua estreia mundial no Festival de Cannes este ano. Comentando um pouco estar em Cannes em um ano tão difícil para viajar, a cineasta disse que só de chegar na cidade sentiu uma “gratidão enorme”, após encarar todos os processos e protocolos de segurança
Falando sobre a inspiração para o filme, e o porquê de trazer o mito de Medusa para esse cenário tão brasileiro, Anita diz que começou a escrever sobre o filme em 2015, muito antes do cenário criado por ela se tornar tão pertinente.
“Houve um momento em 2015 que me deparei com notícias muito semelhantes, que eram de garotas que se juntavam para bater em outras garotas, e esse processo passava muito pelas redes sociais, de mostrar a vítima feia nas fotos”. Diante desse cenário, ela lembrou da história de Medusa, que em algumas versões da história, era uma mulher muito bela e que, após a maldição de Atena, adquire uma feiura aterradora.
Disso, veio a questão de comentar também sobre o machismo estrutural, que acaba fazendo com que mulheres queiram controlar outras mulheres também, e esse é um tema muito caro a jornada da protagonista de Medusa e de suas amigas. “A Mari e a Michele (Lara Tremoroux) estão o tempo todo se controlando, então, no início do filme, era importante que elas agissem de modo muito estruturado, pensado, com certa artificialidade”, quando Mariana sofre um corte no rosto, e passa a sofrer por conta dos padrões de beleza que ela mesmo seguia, seu comportamento se naturaliza, “ela passa a não ter mais paciência de tentar se encaixar naquela caixinha da igreja, a adotar um aspecto mais natural, deixar a chapinha de lado, etc.” Era importante também deixar essa questão da natureza presente nas cores do filme, muito pautado pelo verde – também considerado a cor de Medusa – para que simbolize esse contato com algo mais orgânico, que não pode ser controlado.
Comparando o aspecto religioso entre esse filme e Mate-me Por Favor, seu primeiro longa lançado em 2015. A diretora comenta que esse tema em Mate-me, e o filme como um todo, partia muito das experiências da diretora enquanto adolescente. Já nesse segundo longa, Anita quis se desafiar em fazer uma história de uma perspectiva mais distante da dela própria: “eu quis esse desafio de fazer uma personagem que não tem a ver comigo, mas sim de alguém que cresceu nesse ambiente ultra conservador e humanizar essa personagem, tentar entender essa pessoa.”
Em relação ao futuro, a diretora afirma que está com outro projeto próprio, mas ainda em fase muito embrionária, além de estar analisando convites para dirigir outros projetos. Ela espera trazer Medusa para o Brasil, sua terra natal, em algum festival neste final de ano.
O Senta Aí já assistiu Medusa! Confira aqui a nossa crítica.