Crítica – Caleidoscópio (Minissérie)
Um caleidoscópio é uma ferramenta que, por meio de espelhos, permite que o usuário veja combinações diferentes de imagens, que sempre muda conforme a perspectiva de quem vê. É com isso em mente que a Netflix apresenta a grande “inovação” da série Caleidoscópio, que pode ser assistida em qualquer ordem pelos usuários, apresentando uma nova visão sobre os personagens e a situação encarada, envolvendo o roubo de um enorme cofre, contendo mais de R$ 7 bilhões de dólares.
A proposta “escolha sua aventura” é até interessante, e a não linearidade é um recurso antigo, mas se bem utilizado, pode gerar momentos memoráveis. Entretanto, há uma falha no conceito da produção. Um roubo a banco não é um evento para ser visto por vários prismas, e sim algo a ser executado com precisão e planejamento, sem margem para erro, mas que ocorrem de qualquer maneira, e os participantes precisam pensar rápido para resolver a situação e não serem pegos.
É essa “inovação” que acaba por sufocar a boa história de Caleidoscópio, nem tão interessada assim em seu próprio roubo quanto aparenta à primeira vista, e cuja ideia de mudança de perspectiva, a base para a firula apresentada pela Netflix, pouco importa. Encarado de modo direto, a produção é a história de um homem, o arrombador de cofres Ray Vernon/Leo Pap (Giancarlo Esposito), lidando com as consequências do passado, e a sua incapacidade, assim como daqueles que o cercam, em seguir em frente após uma tragédia.
Os episódios abordam várias épocas da vida de Ray, tendo como centro temporal o roubo de um cofre, em posse de Roger Salas (Rufus Sewell), antigo aliado e atual inimigo de Ray. Vamos de 24 antes do assalto, para até seis meses após. Ambos cercados dos mais diversos personagens, como a agente do FBI Nazan (Niousha Noor), o esquentado Bob (Jai Courtney), e vários outros que compõem a equipe de Ray. A série acaba se sustentando no carisma dos personagens, cujas mudanças acabamos acompanhando ao longo de vários anos, e onde a não linearidade mais funciona. É particularmente dolorido, por exemplo, observar um casal apaixonado quando sabemos que, no futuro, eles não estão mais juntos, mesmo que os sentimentos permaneçam.
Mas o vai e vem acaba por atrapalhar consideravelmente a construção narrativa, especialmente, pois, apesar de clamar que pode-se começar a série por qualquer episódio, a produção visivelmente tem um ponto fixo de começo e de fim. Não é a toa que o canal de streaming postou guias com sugestões de ordens para ver a série.
Os episódios em si são divertidos e ágeis, e quase sempre contém pelo menos um momento envolvendo o planejamento e execução de algum golpe necessário para realizar o roubo motivador da história toda, além de frequentemente revelar uma nova faceta dos personagens. Mas, novamente, Caleidoscópio não é sobre ver a mesma situação sobre diversas perspectivas, a história está firmemente centrada em Ray/Leo e suas ações.
Assim, o truque da “multipla escolha” da série só reforça a importância de uma estrutura narrativa que envolva toda uma temporada, não somente episódio por episódio. Apesar de bons momentos, os saltos temporais confundem mais do que intrigam, e Caleidoscópio se torna uma experiência frustrante, pois há uma boa minissérie ali, era só deixar a história ser contada, sem firulas.