Crítica – Um Lindo Dia na Vizinhança
A figura de Fred Rogers sempre foi extremamente enigmática dentro da história cultural americana. O apresentador de um programa infantil, além de ser uma pessoa de coração extremamente gentil e puro, era também um interessado em política e um grande estudioso das artes de uma maneira geral. No documentário de 2018, Won’t You Be My Neighbor?, é possível perceber melhor essas diversas facetas de sua personalidade, apesar de não ser tão simples entender qual seria sua verdadeira figura. Será que no programa Fred era o mesmo da vida real? Até que ponto o personagem e a persona se misturavam? Questionamentos como esses sempre foram tratados com certa confusão ou até ironia.
Um Lindo Dia na Vizinhança é, diferente do que muitos poderiam pensar, mais uma ode aquela figura infantil do que propriamente um papel biográfico nisso tudo. Esse fato é reforçado ainda mais pelo fato protagonista não ser Fred, mas sim o jornalista investigativo da revista Esquire, Lloyd (Matthew Rhys). Ele vive sob conturbado relacionamento com a esposa Andrea (Susan Kelechi Watson) após o nascimento do filho de ambos. Para completar toda esse período, seu pai que o abandonou, Jerry (Chris Cooper), retorna para o casamento de sua irmã. No meio de turbilhão de coisas, ele é convocado a realizar uma entrevista que não quer: com Fred Rogers (Tom Hanks), apresentado na qual nada tem a ver consigo.
O longa parte de uma estrutura afim de causar um impacto emocional. De certa forma, isso poderia ser retratado de um jeito mais óbvio ou até complexo, porém é buscado em um sentido totalmente doce. A figura de Fred é um verdadeiro contraponto ao ceticismo de tudo em Lloyd. Ele vive quase uma realidade a parte, uma fantasia construída que habita também no seu mundo real. Por isso, tempos não parecem fazer muito sentido, músicas são colocadas sempre do nada, montar uma barraca pode também dar errado. O apresentador busca ser um humano perante a figura das crianças assistindo, gerando, assim, uma reação de conflito no personagem principal.
Toda a direção de Marielle Heller habita em uma espécie de dualidade constante. Nas cenas dos dois contracenando, há sempre um destaque para os olhares e os diálogos mais intensos filosóficamente, enquanto quando estão separados, a brutalidade do mundo cerca tudo, especialmente retratado numa frieza latente da fotografia de Jody Lee Lipes. Esse ambiente não parece simplista, ele causa distúrbios e é o contraste daquela ideia de sutileza e tranquilidade necessárias a vida do “herói”. Em um desses momentos de contraste, o protagonista pergunta a Fred como é se separar de Mr. Rogers, o apresentador do programa infantil. E aí esse responde “não entendi sua pergunta”. Aquelas figuras convivem em um mesmo corpo para ele.
Essa relação de transformação fica bem construída, apesar de bastante simplista. Transforma em uma obra mais genérica nesse instantes, possuíndo um ar quase de necessidade do final feliz. Obviamente, pelo caso ser baseado em fatos reais, isso ainda se agrave ainda mais, causando uma necessidade de concluir uma felicidade intensa. Os conflitos dramáticos, todos extremamente bem pontuados, principalmente no quesito pai e filho, parecem ser esquecidos, mas sem verdadeiramente serem ultrapassados pela narrativa. A conveniência dessas passagens podem até causar um certo distanciamento do público.
Buscando muito mais tocar a audiência através de uma história de superação e de uma ode a Fred Rogers, Um Lindo Dia na Vizinhança possui uma certa intenção em quase trazer um respiro. Em um filme fofo – essa é, sem dúvidas, a palavra certa -, todavia ao mesmo tempo, pesado, Marielle Heller sabe colocar esses elementos em um conflito constante para a personalidade de Lloyd. De certa forma, rememora a quase uma circunstância de época, como se as diferenças fossem ultrapassadas por uma simplicidade. Podém até ser, entretanto o longa não busca aprofundar além disso. E talvez realmente tenha sido o suficiente e o necessário para o mundo atual.