Crítica – Fantasmas do Passado

Uma das frases mais conhecidas de William Faulkner é uma encapsulação quase perfeita de Fantasmas do Passado. “O passado não está morto, nem mesmo é o passado”. Se toda uma estrutura, social ou física, foi concebida em cima da dor e do sofrimento de toda uma população, pode ela se distanciar totalmente disso? Como garantir que os fantasmas não assombrem o presente?

O longa de estreia de Mariama Diallo tenta responder essas questões, tendo como palco a Universidade de Ancaster, no nordeste dos Estados Unidos. É o inicio de um novo ano letivo, e duas mulheres negras são terão esse lugar como lar, pelo menos é o que elas esperam. A professora Gail Bishop (Regina Hall) foi escolhida para ser a nova tutora, a primeira mulher afro americana a conquistar tal coisa, enquanto Jasmine (Zoe Renee) é caloura, ambas navegando as dificuldades inerentes de cada posição.

Mas há algo além disso. O próprio espaço de Ancaster parece ser hostil às duas. Jasmine foi colocada em um dormitório dito amaldiçoado, onde centenas de anos atrás uma bruxa se supostamente se suicidou. Enquanto isso, a casa escolhida para ser a morada de Gail reluta em aceitá-la, chaves não funcionam corretamente e o local parece estar infestado de larvas. Para destacar a falta de encaixe dessas mulheres naquele local, o uso de planos abertos é frequente, onde podemos observar as duas sozinhas no meio dos grupos de pessoas brancas.

Fantasmas do Passado extrai muita de sua tensão nos momentos iniciais dessas situações, onde é sinalizado, o tempo todo, que talvez aquela Universidade não aceite aquelas mulheres, que são lembradas a todo instante dessa condição. Escondidas nos armários, estão estátuas racistas, anotações de frenologia, e exibidos com orgulho pelos corredores de Ancaster, os quadros dos homens responsáveis por esses objetos, donos de escravos. A Universidade diz ser um espaço diverso agora, mas há todo momento a verdade mostra ser outra.

Até mesmo nas relações de Gail e Jasmine com outras pessoas o racismo entranhado na instituição se faz evidente. Um alarme que apita na biblioteca é imediatamente motivo para suspeitar de que a estudante está roubando livros, enquanto a tutora é considerada incapaz de argumentar de modo imparcial sobre a entrada de outra pessoa negra no corpo docente.

Diallo é muito hábil em transmitir o desconforto e horror de se lidar com essas situações, porém logo a produção acaba se perdendo em subtramas pueris e situações repetidas que tiram a energia da obra. Uma em particular envolve um plot twist tão absurdo que a cena de sua revelação acaba gerando risos. 

Fantasmas do Passado sabe muito bem o quer deseja dizer, e por boa parte de sua duração, consegue colocar isso de forma eloquente, mas como em um discurso que dura tempo demais, se perde um pouco em digressões que acabam subtraindo do resultado final. De todo modo, fica evidente que Diallo é uma autora que possui força muito própria, se sua estréia em longas metragens acaba perdendo um pouco o brilho, ela permanece uma promessa interessante.

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