Resenha – O Parque das Irmãs Magníficas (Camila Sosa Villada)

O Parque das Irmãs Magníficas começa com uma descrição profunda sobre esse local (Parque Samiento) que iremos acompanhar pela história. É um ambiente que mistura uma certa pureza advinda do meio ambiente, junto de uma catástrofe na situação de vida das diversas mulheres trans. Elas, renegadas pela sociedade, precisam ver no âmbito da prostituição. Quem está a frente de todas elas é a Tia Encarna, uma mulher mais velha com experiência para comandar mais meninas mais novas que chegam para esse caminho. Enquanto isso acompanhamos o caminho da protagonista da história, que remete bastante a toda a vida da autora, Camila Sosa Villada. Uma mulher trans, que estuda em uma universidade, e acaba entrando nesse universo da prostituição.

É bem interessante todo o trabalho e desenvolvimento da autoficção que Villada coloca da primeira até a última página. O elemento fundamental aqui é a construção de um mundo em que as mais diversas coisas podem acontecer. E isso vai desde o nascimento de um bebê até mesmo a possibilidade de ser morta por um cliente. Contudo, existe um elemento fundamental que perpassa isso tudo: a sobrevivência. Desse jeito, acompanhar a relação dessas personagens, sempre em conversas que, em muitos casos, beiram o absurdo, gera uma constante relação de drama e comédia.

Desse jeito, a narrativa do livro, em suas pouca mais de 200 páginas, nunca funciona de um jeito linear. É sempre como se um mundo se construísse a cada novo segmento. Assim, o ambiente universitário para a personagem principal, por exemplo, é um espaço de construção da sua personalidade enquanto intelectual, a qual sempre gera discordâncias na própria cabeça dela sobre seu trabalho como prostituta. Esses lados sempre dúbios são fundamentais para a forma como a obra vai explorar as diversas possibilidades de viver dessas mulheres renegadas pela sociedade. Até curioso como alguns flashbacks trazem o lado mais pesado dos acontecimentos, já que o dia a dia parece regado de possibilidades a serem exploradas.

Mas O Parque das Irmãs Magníficas também é uma produção que está atrás de ser bastnte enfática no seu discurso sobre a condição de vida das pessoas trans. O apagamento familiar e a tentativa de sobreviver ao próprio custo são questões fundamentais nisso. Villada constrói esse elemento quase como se fosse um filme, abrindo menos para diálogos e mais para uma descrição das cenas e das violências sofridas – desde as menores, através de uma exclusão, até as grandes, pela violência.

Esse relato “cru” da autoficção da autora traz elementos bem importantes sobre sua própria vivência. A dinâmica entre essas mulheres tem uma questão familiar também muito forte, de acolhimento, respeito e tentativa de ajuda sempre que necessário. Dessa forma, é curioso como, apesar de todo sofrimento que a narrativa vai impondo. É quase como que, apesar de todas as coisas que virão pelo caminho, o mais importante é conseguir sobreviver e passar por isso de tudo de forma coletiva. Em grupo – e nisso há uma questão política também muito forte -, essas mulheres trans conseguem ser algo além do que apenas são observadas pela sociedade.

Camila Sosa Villada consolida um belo trabalho em O Parque das Irmãs Magníficas. É um livro que parece estar menos aberto na exploração narrativa e mais atrás de ser realmente um relato, bastante forte e complexo sobre a condição de vida dessas pessoas. A autora transpõe todo um elemento particular para o contexto universal, buscando aproximar a complexidade que é essa forma de vida. Contudo, não está atrás de condenar nada, apenas olhando como o universo é possível de ser muito maior do que apenas a realidade que vivemos.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *