Crítica – Espíritu Sagrado

Há uma certa ironia entre o modo como Espíritu Sagrado se mostra e os elementos que fazem sua narrativa seguir adiante. O diretor Chema Gárcía Ibarra coloca seus filme com os pés firmemente plantados no chão. São raros os planos muito abertos, ou aéreos, o foco é sempre nas pessoas e como elas se movimentam pelos espaços que habitam, de modo sempre um tanto apático, sem grandes emoções.

Entretanto, as conversas geralmente possuem ambições metafísicas, sobrenaturais, que visam uma transformação mundial completa. Há uma desconexão muito grande entre o modo como os personagens do longa se relacionam com o mundo, e o que aquele mundo de fato apresenta. E é esse abismo que o filme espanhol explora muito bem.

Espíritu sagrado

A produção acompanha um grupo de pessoas que constituem a associação “OVNI-levante”, que se reúne uma vez por semana na imobiliária de seu líder, Júlio (Llum Arquéz), a fim de debater as possíveis aparições de discos voadores, recentes ou do passado. Júlio, entretanto, morre inesperadamente, e deixa para o vice-presidente da associação, José Manuel (Rócio Ibañez) os arquivos da associação, que contém um segredo que pode mudar a humanidade para sempre. Mas José também possui um problema muito mais terrestre para cuidar, que é o desaparecimento de sua sobrinha, que se tornou motivo de comoção nacional.

Espíritu Sagrado tem certo cuidado em não tornar chacota os personagens que envolvem o “OVNI-Levante” motivo de chacota, mas sim pessoas normais que buscam uma espécie de “fuga” dos problemas da sociedade diferente da maioria. Entre as cenas envolvendo as atividades do grupo, Garcia Ibarra dedica um pouco do tempo para mostrar os acontecimentos mais cotidianos daquele universo, e mesmo nele se apresenta uma certa desconexão entre o que verdadeiramente acaba acontecendo. Por exemplo, em uma sequência, vemos uma âncora de jornal falar com pesar sobre o desaparecimento da menina, para, logo em seguida, abrir um sorriso e noticiar sobre as possibilidades do feriadão de Páscoa.

Ou seja, esse aspecto voltado para a ufologia é só uma faceta de uma sociedade que não encara os seus problemas com a seriedade que deveria. Todas essas expressões voltadas para o sobrenatural ganham um aspecto de fuga, especialmente quando estas são contrastadas com os transtornos bem reais que alguns personagens encaram. Em certo momento, uma mulher vai ao bar de José, pedindo que a mãe deste incorpore o espírito do falecido marido de uma amiga, que vem a importunando, o que José não permite que aconteça. Essa situação, mais tarde, possui uma conclusão trágica, e o que ganha destaque é a possibilidade da mulher ter sido assombrada pelo seu marido, não seus problemas reais que a levaram a cometer suicídio.

Pode se entender Espíritu Sagrado como uma comédia, visto que, realmente, há certa graça em ver um homem adulto falando com sua sobrinha sobre ela virar uma esfinge, mas também há um certo drama nisso tudo, de pessoas perdidas tentando se apegar a coisas absurdas para tentar trazer um pouco de melhora para vida. Essa graça e drama é muito bem expressada pelo plano final: enquanto um boneco inflável de uma esfinge lentamente cresce, atrás dela a polícia se prepara para invadir a casa de um dos personagens. É a ilusão dialogando com as consequências bem reais dela própria.

Esse texto é parte da cobertura do 74ª Festival de Locarno

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