Crítica – Apenas El Sol

Apenas El Sol faz valer o seu título logo de cara. O longa paraguaio Aramí Ullon abre em um cenário árido, seco, com a luz branca do sol encostando em tudo que vemos. Na beira de uma estrada, a carcaça de um animal, seca, com os ossos expostos, fica por ali enquanto um caminhão passa e levanta a poeira. A secura é palpável até mesmo quando saímos do externo e entramos em uma casa, com a poeira tomando conta do ambiente.

Essa ambientação é muito importante para o longa, mas isso só se tornará aparente mais tarde. O documentário acompanha um homem idoso, chamado Mateo Sobode Chiqueño, que faz parte do povo indígena Ayoreo, cujos ritos e tradições estão praticamente desaparecendo devido à intervenção do homem branco. Mateo cruza o território com seu rádio gravador, conversando com outros membros do seu povo, tentando resgatar um pouco da sua ancestralidade.

As conversas expressam muito bem essa divisão entre pessoas que sofrem da colonização ao mesmo tempo que buscam manter um pouco das raízes. Por mais que Mateo queira falar sobre os Ayoreo, as conversas sempre carregam traços de costumes do colonizador, como catolicismo, por exemplo. Um diálogo com sua esposa, tentando relembrar o momento em que os dois se conheceram, termina com um pequeno discurso sobre como Jesus é bom.

Apenas El Sol, além do destaque nas conversas, se preocupa muito em evidenciar a ação humana para preservar esses diálogos. A presença de planos em que Mateo arruma o rádio, ajeita fitas e afins, é uma constante ao longo do filme, mas isso se contrasta com momentos que revelam também certa futilidade do ato. Uma cena conta com Mateo falando que ainda canta certas canções do Ayoreo, que seus netos acreditam ser cantos bíblicos. A tendência é a perda, a morte, o apagamento.

Há uma ambientação muito desoladora no documentário, enfatizando além da secura, como disse no início, também certo declínio do local. A morte ronda aquele cenário, e Ullon destaca isso com uma montagem de animais mortos, secos, que estão por ali. 

A própria secura é relevante para o drama em andamento dos Ayoreo, já que o documentário possui também certa veia ambiental. Um dos elementos que se destaca nas conversas entre os idosos é a memória da floresta que viviam, que possuía certa vida, até a chegada do homem branco. Se o cenário é parte tão integral da narrativa quanto as conversas, é porque ele é, também, um lembrete do que se perde.

Apenas El Sol é um grande lamento. Os esforços de Mateo são valiosos, certamente, mas esbarram em um mundo cada vez menos interessado em manter essas tradições vivas. O governo pouco se importa em dar apoio para que essas pessoas possam ter existência digna, e o desmatamento segue, a secura só aumenta. No fim de tudo, só restam as chamas, e o esquecimento.

Esse texto é parte da cobertura do 74ª Festival de Locarno

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