A busca pela sobrevivência em O Urso
A sobrevivência a todo custo é um dos grandes temas constantes das artes e das mídias em um aspecto geral. Períodos mais anteriores buscavam uma relação atrelada ao entendimento dos personagens buscando isso, enquanto produções da atualidade podem buscar até cenários apocalípticos. Enfim, o fato é que essa temática possui uma relação bastante intrínseca com boa parte das históricas. Contudo, é difícil ver sob uma visão mais infantilizada. Existem até tratamentos mais juvenis, como a série The 100 ou o livro Máquinas Mortais, porém essa abordagem com um olhar infantil é mais complicada. Não apenas pelo fato da visão possuir uma nova correlação, mas também por observarmos novos olhares.
Nisso, o livro O Urso acerta sem medo. A história de uma criança por volta dos cinco anos, junto com seu irmão de três, é uma grande peripécia artística. Ao imaginarmos essa situação transportada para a realidade, existe uma aflição meio inerente. Simplesmente pelo fato dessas suas personagens não possuírem maturidade suficiente e ainda assim conseguirem se virar nesse meio. Nessa relação meio complexa e espacial de universo é que encontramos a narrativa ambientada em uma disputa com um urso. Esse, após a matar a mãe dos dois, apresenta uma indecisão sobre o destino das crianças.
Talvez o maior acerto da escritora Claire Cameron seja evocar esse espírito lúdico. Os dois protagonistas se vêem sujeitos ao tipo mais cru de sobrevivência, sem ao menos saber o que seria isso. A história contada em primeira pessoa (a visão da irmã mais velha, Anna) até soa estranho de alguma forma. Observar essa tensão toda sob um olhar mais ‘bobo’, por assim dizer, gera um cansaço na obra do meio para o fim. Contudo, os méritos também retomam esse lado por uma certa não imaginação do próximo passo. Não sabemos aonde o urso poderá estar – e nem aonde quer ir -, assim como os protagonistas. Elas seguem o preceito de sua mãe, mas nem ao menos sabem o que é a morte. Toda essa ambiguidade gera uma tensão e preocupação meio inerente na leitura.
Nesse ponto, as conversas entre ela e seu irmão mais novo, Grude, evocam um espírito de uma trama passada. Essa não é exposta logo de cara na trama, mas ao decorrer de diversas situações. Um exemplo mais claro é sobre esse espírito dramático em torno da figura paterna, importante para ambos, porém estranhamente não presente. Claire não chega a deixar essas situações claramente expressas, todavia traz algo estranho do passado em torno de simples diálogos infantis. Importantes não apenas para trazer maior relacionamento dos leitores com eles, mas também para entendermos o porquê de estarem ali. O porquê da importância e de toda frieza da mãe quando fala com ambos.
Apesar de trazer esses sentimentos, é impressionante a presença um lado meio massante. Algo que falei anteriormente, carregado em situações extremamente repetitivas. O lado meio tenso de um temor realmente pela sobrevivência de ambos aparece em instantes quase oportunos. Seja em sequências mais diretas perante o urso, seja em outros de um terror através da descrição. Caso isso fosse transformado em u elemento mais frequente, talvez poderíamos desenvolver um fator de onipresença do medo. Mesmo assim, ao fim, tudo parece simples demais de ser resolvido, perdendo tudo aquilo que foi aberto antes.
Com essas questões a tona, O Urso parece um livro com muito mais potencial do que propriamente tem. Com início e epílogo mais interessantes sob um ponto de vista dramático e provocador da sobrevivência, é ali que a narrativa parece mais saber para qual lado quer ir. Com um monstro à espreita, era possível desenvolver mais um lado meio de aprender a sobreviver na floresta, ou até uma tentativa de demonstrar um não entendimento disso. Porém, Cameron parece mais preocupada com o efeito estético de sua obra. Isso gera uma falta maior de sinergia do público naquela situação. De nos sentirmos presos como uma criança em um mundo sem nada.