Crítica – Fio do Afeto

O documentário, apesar de uma rica e vasta tradição, possui alguns estigmas, entre eles, o de ser visto como uma obra audiovisual voltada mais para fins educativos, com uma linguagem focada no didatismo. Esse problema não veio do nada, afinal, o contato de muitos com o gênero se dá a partir do ambiente escolar, e muitas obras se entregam a esse formato.

Fio do Afeto se encaixa perfeitamente nesta categoria, sendo, na verdade, praticamente um filme institucional. Afinal, é realizado com investimento e apoio da empresa Vale, e o objeto de estudo da produção é, justamente, um projeto idealizado pela Vale, o “Máscara + Renda”, que deu apoio a uma rede de costureiras durante a pandemia que, em troca de uma renda mensal, produziriam máscaras de proteção contra o coronavírus. Mais de duas mil mulheres foram beneficiadas, que em troca, conseguiram produzir mais de três milhões de máscaras, gerando R$ 6 milhões em renda.

É um projeto louvável, que provavelmente ajudou a salvar muitas vidas nesse momento delicado que ainda enfrentamos, e o esforço e atitude dessas mulheres merecem ser reconhecidos. Há boas intenções na obra de Bianca Lenti, não há dúvidas disso. Isso não impede Fio do Afeto de ser inerte como obra, mas, como citei acima, um bom vídeo institucional.

O longa coleta a história de diversas mulheres, espalhadas pelo país, que possui relações variadas com o ato de costurar. Algumas sempre tiveram a prática no seu cotidiano, outras passaram a bordar devido à pandemia e por conta do projeto “Máscara+renda”. É um recorte variado, incluindo mulheres indígenas, da periferia do Rio de Janeiro e até mesmo uma entrevistada que faz parte do MST, essa última abordando diversos problemas do Brasil, como questões de classe e os conflitos por terra, com seu marido morto por um pistoleiro.

Unindo essas histórias está a professora Heloísa Buarque de Hollanda, identificada no filme unicamente como “feminista”, que expande algumas pautas abordadas pelas falas das mulheres, sobre a ancestralidade do ato de costurar e como a pandemia fez necessária a cooperação entre as pessoas. Além disso, há Zezé Motta recitando poemas de Conceição Evaristo, intermediando esses momentos.

Fio do Afeto

A estrutura de Fio do Afeto é um tanto linear demais, seguindo em linha reta até o seu fim. Explico: há um único ritmo durante todo o filme, que é o relato, seguido de interlúdio com Heloísa e Zezé, seguido de outro relato. Sem mudanças ou variações que possam enriquecer as falas, criando paralelos entre as mulheres, por exemplo. A natureza das entrevistas é, não há interesse em observar como elas se relacionam por si mesmas. Quando a história de uma entrevistada é concluída, ela nunca mais retorna. 

Assim, mesmo curto, com pouco mais de uma hora, o filme é monótono, e não há um senso de progressão, a primeira personagem pode ser a última e vice e versa. Faz sentido dentro de uma proposta institucional: é fácil cortar um pedaço para ser exibido em eventos da empresa sem ocupar muito o tempo de ninguém. Como filme? É uma oportunidade perdida de colocar no cinema histórias valiosas sobre um momento tão difícil do país.

Esse texto faz parte da nossa cobertura do Festival do Rio 2022

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