Crítica – Foram os Sussurros Que me Mataram

O rosto de Ingrid Savoy (Mel Lisboa) é o primeiro elemento a aparecer na tela em Foram os Sussurros Que me Mataram, o ato de se maquiar o deforma, ela puxa a pálpebra para passar o delineador, e as marcas dos dedos ficam em suas bochechas. Como seu rosto é visto é uma preocupação constante. Ao ser informada que anúncios sobre sua participação num vindouro reality show já estão prontos, uma única pergunta: “Qual o perfil que eles usaram?”. Uma fixação que marca a superficialidade e a autenticidade ilusória do mundo em que ela está imersa

Enquanto Savoy expressa seu narcisismo, o mundo fora do seu quarto de hotel parece ruir. Tiros se ouvem a todo momento, assim como sirenes e estouros. A assistente da atriz informa que um fotógrafo foi pego tentando entrar no prédio, mas que já foi neutralizado.

Esse cenário externo é uma abstração dentro da narrativa. A trama não se desloca do quarto de hotel onde Savoy aguarda o início do reality show em momento algum. As coisas e pessoas só passam a existir no momento que elas entram na percepção da atriz, limitada pelas quatro paredes daquele espaço de luxo, completamente desconectada do que acontece lá fora. `Presa consigo mesma, por escolha, a protagonista acredita que todos os acontecimentos tem relação com a sua presença.

Esse distanciamento é reforçado pelas atuações, frias e robotizadas, com diálogos desencontrados e frases que se repetem, As tragédias fora do quarto viram motivo de especulação e elaboração de estratégias midiáticas. Um outro participante supostamente se suicida no quarto ao lado, o programa será adiado? Haverá tempo para encontrar outro participante? Como isso afeta a posição de Savoy?

O diretor e roteirista Arthur Tuoto aposta nesse universo artificial para comentar sobre celebridades, sociedade do espetáculo e a natureza fugidia das informações do século XXI. Mas Foram os Sussurros Que me Mataram se pauta muito nos diálogos para tecer suas observações, com os personagens frequentemente declarando certas coisas para os outros, muitas vezes sem grandes conexões sobre o que está acontecendo em cena. Logo, a produção soa mais como um discurso, no sentido literal mesmo, do que outra coisa. Há pouca articulação fora do que é dito para explorar esse universo, e mesmo dentro do quarto não há muita variação, personagens entram, tem seus embates filosóficos, e se retiram.

Contudo, a realidade externa não pode ser contida, e no clímax a situação alcança seu ponto máximo, ainda não se entenda que situação é essa. Mas para Savoy, tudo se mantém. Os corpos lotam os corredores e as sirenes do hotel disparam enquanto ela discute um contrato mais vantajoso para si. Após tanta falação, o longa alcança uma imagem que condensa muito do seu discurso: o quarto foi completamente destruído, o luxo de antes dando lugar às cinzas, mas a protagonista está intacta e mais bela do que nunca, maquiada com seu vestido de gala. O mundo pode estar em frangalhos, mas o espetáculo e seus agentes irão continuar, para o bem ou para o mal.

Esse texto faz parte da cobertura da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes.

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