Crítica – O Dia Que te Conheci

O romance na arte geralmente envolve algum grande ato que comprove o amor, seja trágico, cômico ou heróico. Romeu e Julieta envolve o suícidio do casal principal, por exemplo, e não falta no nosso imaginário coletivo as cenas típicas de declarações intensas, como segurar uma caixa de som na janela da pessoa amada, impedir o avião que levará o amor de sua vida para outro país de decolar, ou então um ato menos dramático, mas não menos carregado, como a declaração final em Harry & Sally – Feitos um Para o Outro.

Um romance real, entretanto, é constituído muito mais de momentos banais do que grandes gestos, e é nisso que se sustenta O Dia Que te Conheci, a comédia romântica de André Novais, que move o seu olhar cuidadoso do cotidiano presente em Temporada para o mundo do relacionamento amoroso, que sempre figurou em suas obras, como no filme de 2018, onde a personagem de Grace Passô espera o retorno do marido, que nunca acontece, ou em seu curta Pouco Mais de um Mês, focado num casal discutindo o status do seu relacionamento.

Em O Dia Que te Conheci, conhecemos Zeca (Renato Novaes), bibliotecário em uma escola que encara um problema sério: não consegue despertar a tempo de ir ao trabalho. Ele é apresentado pedindo a um amigo que o desperte na hora correta, às seis e vinte da manhã. “Mas pode me acordar mesmo, viu? Pode até jogar água em mim”. A partir disso, Novais cria uma engraçada cena de suspense: o amigo tenta acordar Zeca, que simplesmente não levanta da cama, dando uma série de desculpas. O amigo então, vai à cozinha, enche um copo de água, reflete, e então… rega uma planta.

A todo momento, Novais pega essas situações da rotina e as trabalha de modo a buscar outras sensações para além da captura do cotidiano. Outro exemplo: após sair atrasado de casa, Zeca pega um ônibus que, para sua tremenda sorte, quebra no meio do caminho, e os passageiros são informados que o próximo virá em 20 minutos. Zeca, junto a outro azarado, decidem ir comer um pastel nesse meio tempo, acreditando que o tempo é o bastante.

Não é o bastante, o pastel demora e os dois precisam voltar correndo para o ponto. Novais enfatiza a distância percorrida pelos dois, mostrando a subida e descida da passarela de longe, tornando todo o esforço da dupla ainda maior, diminuindo suas figuras diante da estrutura, achatando a imagem para fazer com que a distância que eles estão percorrendo seja ainda mais homérica. A trilha sonora dá o tom de aventura épica, nada mais longe do que a situação verdadeiramente é, mas reforça toda a ideia da cena, além de enfatizar e, de certa forma, celebrar o empenho desses dois heróis do cotidiano em pegar o transporte.

Toda essa jornada tem um fim agridoce, Zeca é demitido da sua função, mas faz uma amizade com Luisa (Grace Passô), outra funcionária da escola e a responsável por comunicar sua demissão. A partir desse encontro, O Dia Que te Conheci foca no crescimento da relação dos dois, de maneira muito sutil, como sempre. Eles trocam figurinhas sobre os remédios que tomam, reclamam da vida, do trabalho, e pouco a pouco vão se construindo as conexões que unem duas pessoas. Talvez compartilhar sua caixinha de remédios com outra pessoa seja uma declaração tão grande quanto uma serenata.

O que não significa que o longa não tenha seus momentos de intensidade, mas sempre com o pé no comum, como na sequência próximo ao final, no apartamento, com Luisa não mais disfarçando o seu interesse por Zeca. Novais se aproxima de Passô para deixar claro o seu olhar de desejo, que demora a ser percebido pelo protagonista, mesmo diante do convite de irem para o quarto. O personagem eventualmente se toca do que está acontecendo, e o derradeiro beijo não representa o ponto final, somente um novo início. No dia seguinte, Zeca acorda, desta vez no horário que sempre quis, vai a padaria, e declara ao padeiro “Hoje vai ser diferente, vou levar o pão pra casa!”.

Esse texto faz parte da cobertura da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes.

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