Crítica – Estranho Caminho

O isolamento social e as medidas de proteção necessárias durante a pandemia da Covid-19 foram o grande motivador dos filmes realizados durante a quarentena. Obras como O Dia da Posse, que lidava com a necessidade de ficar dentro de um apartamento por uma perspectiva voyeurística, gerenciando o tédio da rotina do lockdown por meio da observação dos outros, e Seguindo Todos os Protocolos, que brincava com as medidas de segurança necessárias para transar.

Estranho Caminho, dirigido por Guto Parente, é também um filme pandêmico, mas ao invés de colocar o seu protagonista, David (Lucas Limeira), isolado num espaço geográfico, o coloca no mundo, mas num cenário um tanto alienante, onde nada se firma e tudo parece fugidio, o deixando tão sozinho quanto se estivesse trancado num apartamento.

O personagem é um cineasta que retorna ao Brasil depois de alguns anos para exibir o seu primeiro longa em um festival de cinema em Fortaleza, sua cidade natal. A crise sanitária, contudo, muda completamente seus planos: a estadia de cinco dias passa a ter prazo indefinido, a passagem de volta para Portugal é cancelada, e a pousada onde estava é fechada, pois o dono foi internado com a doença.

Mesmo antes do coronavírus se fazer presente, Parente evidencia o quanto David já está deslocado desse cenário. Numa conversa com amigos, é revelado que eles não pretendem assistir ao filme, e a montagem os isola. Eles são apresentados unidos, mas no desenrolar do papo, cada um ocupa um plano único, cada um na sua.

Nesses primeiros momentos, onde David precisa encontrar um lugar para ficar, são os mais interessantes de Estranho Caminho. Mesmo sendo natural da cidade, ele parece à deriva naquele espaço, que nunca tem nada de muito específico: uma rua, uma praia. Em suas idas e vindas pelo município, nada parece ancorá-lo a realidade, e até os encontros com outras pessoas reforçam essa sensação de estranheza. Ao procurar a polícia para relatar um furto, a oficial que o atende não poderia estar mais distante da imagem do policial típico.

Eventualmente, ele encontra um lugar para ficar, a casa do seu pai, Geraldo (Carlos Francisco), cujas primeiras interações reforçam as singularidades da narrativa. O progenitor trata o filho como um elemento a ser gerenciado, o pedido de moradia é recebido com “não sei, tenho que analisar algumas variáveis”. Mesmo relutante, Geraldo aceita dar abrigo ao filho, mas com a condição de que ele não atrapalhe seu trabalho.

A partir disso, Estranho Caminho se fixa nessa difícil relação de pai e filho, que flerta com a comédia, um pouco de terror, e puro drama familiar, que se distancia do que vinha sendo construído até então, e nunca encontra uma força própria, especialmente conforme caminha para sua conclusão que, sem entregar muito, toma uma posição surpreendentemente afetuosa do que apontava até então. As cenas focadas em David e Geraldo possuem certa monotonia, pois focam basicamente no atrito que a convivência entre os dois gera.


É visível a vontade de tornar esse momento um pouco mais complexo, como na cena em que Geraldo pede para ver o filme do filho, até para tornar uma revelação final mais impactante e dramática. Mas numa obra que parece ser tão motivada pelo desarraigamento, vê-la ancorada é uma sensação estranha.


Esse texto faz parte da cobertura da 27ª Mostra de Cinema de Tiradentes.

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