Crítica – A Boa Esposa

Já fazem alguns anos que a frase “bela, recatada e do lar” causou certa revolta pela internet, não sem razão, é claro, já que os termos evocam uma ideia bem patriarcal do que é ser mulher, que, de acordo com essa visão, encontram nas tarefas domésticas o seu verdadeiro lugar, servindo a sua família. Um absurdo completo, que graças aos ideais feministas se espalham pela sociedade, encontra cada vez menos espaço, mesmo que alguns resistam a ideia de que a mulher existe não somente para estar ao lado de um homem.

No longa francês A Boa Esposa, acompanhamos de perto o conflito entre essas duas visões. O filme de Martin Provost se passa em um período muito importante para forças progressistas na França, que é o ano de 1968, quando o país foi tomado por uma série de protestos, mas isso é só o plano de fundo, já que o foco narrativo do filme está em uma “Escola de Boas Maneiras”, um lugar onde jovens mulheres vão para aprender a serem “recatadas e do lar”, no interior do país. A escola é dirigida por Paulette (Juliette Binoche), cujo método de ensino envolve os “Sete Pilares” do que é ser uma boa esposa, como por exemplo, fazer vista grossa para os excessos do marido, assim como estar pronta para satisfazer as necessidades do mesmo. O estabelecimento recebe um grupo de novas meninas a serem ensinadas, mas as ideias que percorrem a França passam a reverberar também naquele espaço, levando a importantes mudanças. A situação muda ainda mais quando o marido de Paulette, Robert (François Berléand) morre, deixando para trás uma gigantesca dívida e uma viúva confusa em relação ao seu lugar no mundo.

A Boa Esposa

E as alunas também tem suas próprias questões, e os ares de mudança inflam ainda mais certos questionamentos. Muitas ali estão prometidas a casamento com pessoas que elas não amam, precisa ser assim? E se homens não forem o alvo do afeto delas, como lidar?.

Antes de tudo, A Boa Esposa é definitivamente um filme com as melhores intenções possíveis, deixando bem claro o quão vazio é o estilo de vida imposto pela escola, especialmente quando o espaço físico daquela instituição é colocado em contraste com cenas onde essas mulheres são livres para serem o que quiserem. Enquanto as cenas dentro da escola possuem um ambiente um tanto restritivo, excessivamente organizado, outras, como o momento em que Paulette reencontra uma antiga paixão e se deixa levar pelo sentimento, o cenário é aberto, com ampla presença da natureza. Essa conexão entre liberdade feminina e natureza acontece em outros momentos do filme, reforçando a ideia do que é de fato “natural” para elas, contrariando o discurso machista de que natural é a submissão.

Mas o que marca mesmo o longa de Provost é a falta de foco dramático, criando diversas situações interessantes mas que não são devidamente exploradas, como um romance entre duas meninas, Albane (Anamaria Vartolomei) e Corinne (Pauline Briand), que é fofo, mas ocorre de modo um tanto superficial, sem uma exploração cuidadosa dessa relação se desenvolvendo. Mesmo sendo um filme tão preocupado com o feminismo, ele não deixa de cometer gafes nesse sentido, já que a “libertação” de Paulette, por exemplo, vem a partir de um… homem. Novamente, tudo que envolve Paulette e sua nova paixão é agradável de se assistir, mas diante das intenções de A Boa Esposa, talvez valesse a pena buscar outra forma de uma mulher se compreender melhor do que pela presença masculina.

A Boa Esposa é um filme empolgado com as ideias de libertação feminina, disso não há dúvidas, mas também parece que Provost se empolgou com elas a partir de uma descrição da Wikipedia, e dessa maneira, é bonitinho, mas superficial.

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