Crítica – Imaculada
Na sua definição no dicionário, a palavra “imaculada”, em seu sentido religioso, traz a ideia de alguém “puro, pura ou castiça”. Já figurativamente, traz a concepção de uma pessoa “sem defeitos morais, desprovido de manchas e impurezas, ou limpo”.
A palavra escolhida no título do filme Imaculada tem uma relação clara com sua protagonista Cecilia (Sydney Sweeney), uma jovem freira que vai viver em um convento isolado. Ela, que é uma mulher virgem e que nunca foi tocada (por isso imaculada), fica grávida. Isso desencadeia uma série de descobertas sobre si mesma e o local. Mas a mesma palavra do título também tem uma espécie de embate com o conceito do que seria a Igreja Católica, confrontada diretamente aqui.
O diretor Michael Mohan transmuta a ideia de um horror bem convencional até a metade. Sustos, uma atmosfera de medo indicando para algo sobrenatural e até mesmo figuras estranhadas que agem contra a protagonista sem muito motivo. A atmosfera é um elemento essencial para a segunda parte do longa ser uma forma de descascar essas ideias em tela originalmente. Mostrar os túmulos e as profundezas (como sugere o clímax) da Igreja.
Até mesmo por isso, é curiosa a forma como o filme pouco tem interesse em desenvolver a ideia do sagrado, tão tradicional em produções que abordem a figura da freira – sejam de terror ou não. Aliás, até tem disposição de usar sempre de forma irônica isso, como na cena em que Cecilia é representada como Maria.
Enquanto em outros o sagrado é um ponto chave para entender o que a personagem vai confrontar, aqui não. Justamente quem representa o sagrado é a personagem principal, alguém que parece completamente isolada do mundo e de si mesmo. O longa nem busca muito explorar quem ela é, sua história, até porque pouco importa. A busca por se manter como alguém verdadeiramente “pura” confronta a um universo de medo a todo instante. É uma luta contra o que a cerca.
O mundo corrompido, corrupto, é justamente aquele da Igreja, que vai ser capaz de fazer de tudo para a mesma manter o bebê, mesmo que sofra tudo o possível dentro disso – afinal, ele é o “milagre”. O corpo de Cristo e todas as suas representações simbólicas são sempre deturpadas (como uma das ferramentas que o prendeu na cruz). Enquanto estão perto de chegar o mais próximo possível de Deus no plano material, estão longe sob o ponto de vista espiritual.
Nesse sentido, Imaculada rememora o japonês Escola da Besta Sagrada, de 1974, dirigido por Norifumi Suzuki. Nele, é a própria concepção do catolicismo em suas figuras e símbolos mais únicos que é inteiramente deturpada por quem jurava proteger. Mas, diferente dali, o filme de 2024 segue uma trajetória de compreender esse cosmo não sob o ponto de vista religioso. Não há uma “figura maligna” ou algo sobrenatural propriamente dito. O mal também é real e político.
Ele impede que essa mulher tenha o direito de entender o que é melhor para si mesma. Ele impede a liberdade de todas essas pessoas. Ele impede que qualquer mulher expresse. E que grande representação está por trás disso? A Igreja como um todo. É como se Mohan observasse esse embate menos sob um aspecto individualismo e mais em um caráter generalista.
Esse embate fica bem evidente conforme Imaculada se aproxima do fim. Em seu momento mais dramático, é essa mulher pura precisando percorrer todo um passado escondido debaixo da terra. E, em seu momento de derradeiro, final, é ela atrás da única libertação que poderia conseguir.