Vera Cruz: Sonhos e Pesadelos é uma fantasia totalmente à brasileira
Por muito tempo, foi renegado dentro da fantasia nacional o uso de elementos nitidamente brasileiros, como o folclore regional e elementos indígenas que povoam o imaginário tupiniquim. Todavia, nos últimos tempos, é possível perceber um resgate dessa cultura, em uma busca para manter viva a cultura brasileira desde as raízes, algo necessário para recontar a história do país de maneira fantasiosa. O escritor Gabriel Billy está nessa nova leva, trazendo Vera Cruz: Sonhos e Pesadelos, pela editora AVEC. A mistura entre o universo folclórico do país é misturado junto com elementos clássicos medievais, gerando algo único e necessário em nossa literatura. Como o próprio autor diz na introdução, “Vera Cruz é sobre o Brasil, sobre lendas e heróis que insistimos em esquecer”.
Na história, estamos localizados no mundo de Vera Cruz. Nele, há diversas nações e algumas dessas, inclusive, em guerra. Todavia, duas são as mais importantes: Lisarb, totalmente desenvolvida na sua tecnologia, e Ouro Preto, um reino que ainda se utiliza da magia. Nesse universo, o procurado ladrão Pedro Malazarte vai em busca de Ivi Marã Ei, a terra onde se localiza um poderoso objeto. É nessa busca que diversos aliados e inimigos vão atrás do mesmo objetivo, tentando tomar todo o controle do mundo pela força bruta.
A construção dos mais diversos elementos desse mundo é algo fabulosamente realizado pelo escritor. De fato, é a criação de um local novo, na qual precisamos nos acostumar com suas relações internas e os conflitos presentes. As ilustrações dentro do livro colaboram para um melhor entendimento da trama. É irônico, inclusive, que exista uma facilidade do nosso público com a familiarização com obras totalmente focalizadas na Idade Média Européia enquanto ainda exista essa dificuldade de se acostumar na narrativa do livro. Um dos elementos mais primordiais nisso são os veículos, ora automóveis, ora voadores, sempre necessários como referências históricas ao Brasil ou como uma forma de entender a disputa.
O desenvolvimento dos personagens acaba sendo um pouco dúbio. Para alguns, como é o caso de Malazarte, Zaila e Isabel, por exemplo, ocorre uma geração de um passado, sempre com clareza de entender as ações do presente, fato esse que gera uma relação de afeição pelos leitores. Porém, para outros, como Castilho, Urutau, Kapul e os feiticeiros, esse espaço é bastante renegado, gerando personagens ou de características ou vazios. Isso acaba sendo realizado pelo fato do pouco espaço que Billy trabalha tudo. Com apenas 116 páginas para poder fazer tudo isso, se constrói algo extremamente superficial do que poderia feito. É óbvio o fato da riqueza imposta dentro dessa construção do artista, todavia acaba sendo tudo feito de forma simples, encaixada com um gigantesco gancho nos momentos finais.
A edição da AVEC possui uma belíssima escolha de capa, além da incrível ideia das ilustrações internas e do mapa, afim de sempre localizar o leitor. Além disso, os extras finais servem também bastante para o imaginário do público e um entendimento de diversas referências para com a história do país, não tão claras a primeira vista. Porém, nem tudo são flores. Existe um problema bem claro de diagramação das páginas, com algumas fontes de letras maiores do que outras em uma mesma página, além de mudanças repentinas nos tamanhos mais para o final.
Vera Cruz: Sonhos e Pesadelos é um importante resgate para a mitologia presente no Brasil, além de figuras do nosso passado renegadas. Gabriel Billy sabe realizar essa colocação de forma bem clara na sua narrativa, salientando diversas pequenas questões cheias de sentido para o público brasileiro. Apesar dos problemas da edição e do pouco espaço para desenvolvimento, há uma tentativa única de algo novo, de algo necessário para a literatura fantástica do país. E, acima de tudo, isso precisa ser ainda mais valorizado.