A ironia da busca pelo poder em Vice
A montagem foi institucionalizada formalmente no cinema através do cineasta soviético Serguei Eisenstein. Ele dizia que essa seria o diferencial da nova arte que surgia – ainda, na época (anos 10 e 20), considerado como entretenimento. O que poderia tornar o cinema algo novo, mesmo emergido da fotografia e do teatro? A montagem seria a resposta, o como fazer, a narrativa, tudo isso passou a ser fundamental nessa maneira de contar histórias a partir dali. Dessa forma, até hoje temos isso de maneira quase padronizada, sendo na formalização o grande individualizor de cada produção.
Ao expor grande parte da vida política de Dick Cheney (Christian Bale) em Vice, o diretor Adam McKay se utiliza do elemento citado acima como ponto primordial de sua trama. Cheney ascendeu ao cargo de vice-presidente do país na era de George Bush, porém a preocupação aqui é como a audiência, nós, iremos reagir a isso. Se em A Grande Aposta o cineasta já havia buscado uma temática até complexa e se utilizando de elementos de quebra da quarta parede para auxiliar o entendimento do enredo, aqui a busca é para literalmente falar ao pé do ouvido. Todavia, se engana quem pensa que sua fala é expositiva. Dessa vez, McKay quer atacar quase diretamente o público para falar da ironia de se buscar o poder. E de qual maneira ele realiza isso? Através da montagem.
Torna-se interessante como toda a construção narrativa acontece de maneira a elucidar essa relação do presente, passado e futuro. A maior conexão nesse quesito temporal está com o narrador, Kurt (Jesse Plemons), tornando-se o fio da meada não apenas explicativo, como ao falar de um poder constitucional cujo o presidente teria, mas também um certo cunho moral, julgando as ações do protagonista, elemento que acaba deixando ainda mais intrigante pela relação inicial estabelecida com aquela personalidade. Nesse instante, o vemos em dois lados: o primeiro como um bêbado intimado pela polícia e no outro pomposo, sendo primordial nas ações no momento do 11 de setembro. Esse estabelecimento já transforma Dick em alguém vitorioso aos olhos da platéia (relação essa importante para a própria mensagem do longa), além de nos fazer parte daquelas situações, desde seu primeiro e único amor, Lynne (Amy Adams), até como ele busca não fracassar aos olhos dela.
Toda essa construção de uma figura mundana serve para catapultar a ideia do político ser um homem comum, inclusive com suas próprias situações pessoas – a questão principal com a filha – e buscando crescer na vida. No entanto, McKay monta toda essa história em base do argumento de que todos, de alguma forma, querem poder. Por isso, Cheney acaba vendo em Donald Rumsfeld (Steve Carell) uma maneira de entender como ele está centrado dentro de algo totalmente americano. Rumsfeld, republicano, se vê sempre conspirando, querendo Dick como um simples servo obediente, chegando até a fechar a porta em sua cara. Porém, esse se ambiciona ainda mais pelo poder por esse olhar de inferioridade. Aqui, pode-se até abrir pensamentos de como o diretor traz um debate de subjulgação social, de como, mesmo renegados, queremos algo a mais. E essas ações afetam em muitos outros lados.
Com tudo isso em mente e nesse embasamento “teórico”, é construído todo o ideal político de ascensão dessa figura. Primeiramente com sua descoberta de uma nova interpretação da segunda emenda americana, algo que, veja só, é frustrado pela perda da presidência. Em segundo por trazer toda essa carga aprendida com Donald, de distratar pessoas. A partir desse ponto, elucidado bem com a cena da festa, ele se torna amado e odiado em medidas equivalentes, sendo frustrado novamente por não se manter na sua ascensão de poder. Ao usar essas ideias de não alcançar seus objetivos, a direção ainda deixa clara toda a ironia, ao brincar com o fim dos créditos no meio da obra. A frustração de quem assiste se torna ainda mais importante para a construção de como estamos torcendo e dando poder demais a essa figura política.
Ao contar toda essa trajetória, ainda há uma certa elucidação também há a criação de uma certa mitologia em torno da figura do ex-vice presidente americano. Seus trejeitos, sua maneira de persuadir pessoas. Em diversos instantes, como na conversa na qual ele é convidado para o cargo de vice, Adam quer se aprofundar nesses pensamentos e pretextos do personagem, realizando diversos cortes em planos detalhe. Isso cria até um certo método e padrão, porém também um conceito místico dessas ações, sempre brincando com um enaltecimento dessa figura.
Vice mostra como Adam McKay é um dos cineastas mais precisos na sua formalidade da montagem na atualidade. Ao utilizar o tempo todo de rimas visuais – como os diversos momentos com animais ferozes caçando presas -, ele cria uma concepção interna do filme, de maneira a deixar claro toda a ironia da sua mensagem. Falando sobre o passado político estadunidense, o longa quer discutir isso no presente e toda a relação em torno da figura de Donald Trump. Essa mensagem é clara (até demais em alguns momentos, como quando Bale fala com o público) e irônica. Afinal, toda essa construção serve a apenas mostrar que a risada não está sendo dada por quem assiste, mas sim sobre os mesmos.