Clímax é uma psicodélica e perturbadora viagem pelo comportamento humano

A loucura humana já foi expressa de diversas formas durante a história do cinema. Desde Uma Página de Loucura (1926) até Cisne Negro (2010), a maneira de retratar essa condição sempre foi um ponto importante para construção de um universo fílmico interessante e diferenciado. A retratação dessa relação com as drogas foi feita de uma maneira também bem autoral por Danny Boyle em Trainspotting (1996), retratando isso como uma discussão até, de certo ponto, sobre a moralidade do uso de drogas. Agora, o cineasta Gaspar Noé faz com Clímax uma nova maneira de pensar nesse quesito. Retratando um grupo de dançarinos nos anos 90 na França, esses acabam sendo drogados após tomarem uma bebida em uma festa de comemoração e sofrem formas diferentes nesse estágio de alucinação.

Noé tem um interesse bem direto aqui: falar sobre a mente dos seres humanos em uma abordagem mais experimental e sensitiva. Pouco importa para a direção o andamento narrativo, levando trechos de exposições a servir apenas para criar uma atmosfera, além de gerar o reconhecimento desses personagens. E todo esse lado de enredo é trabalhado mais ativamente na cena inicial – quando se apresentam – e no momento exatamente anterior a loucura começar. A partir desse ponto, ele se utiliza da tensão e na maneira de montar a encenação como forma fundamental a construir o andar dos acontecimentos.

A utilização de diversos planos sequências já denota um certo nível de realismo, não apenas pela própria história ser baseada em fatos reais, mas sim por tentar gerar um equilíbrio entre o real e o onírico. Nesse quesito, a câmera não para em nenhum instante, dando atenção com detalhes para a dança inicial, ao mesmo tempo que destaca a construção climática da psique humana ao estar invertida nas relações sexuais. É até uma certa forma de brincadeira ao falar de uma subversão de valores, quase como uma espécie de imoralidade sendo cometida por ali (isso ainda pode ser destacado pela presença de personagens LGBT no longa). Todavia, a direção pouco tem um real interesse de julgar ou falar de maneira aprofundada sobre isso, deixando apenas questões, como o fator de chamarem uma das dançarinas de Gazela, em aberto a um universo construído. A importância real desse pequeno espaço, o ambiente, é gerar uma real atmosfera de tensão, com um nível de uma relação bizarra entre os indivíduos.

Buscando elucidar ainda mais essa ideia atmosférica, a dança e o corpóreo é um dos quesitos fundamentais. De certa forma, há uma memória presente de Suspiria (1977), de Dario Argento, ao falar desse ato de dançar como uma forma de loucura individual.E é exatamente para onde se quer levar a obra aqui em cheque. Se pode pensar nessa relação com as próprias cores também, possuindo um espaço fundamental na discussão. Enquanto no de 77, eram maneiras de transmitir a fantasia, aqui servem para relacionar a violência, impulsos e sexo, principalmente representadas pelo vermelho. Esses pequenos gestos únicos constroem um todo. Por exemplo, um dos personagens começa a dançar com a cabeça virada para trás, porém esta pequena ação pouco importa na encenação e sim a colaboração dela ao clima da película de extrapolar essa bizarrice.

Dentro desse caminho quase psiquiátrico, ocorre ainda um certo nível de existencialismo presente. A morte e a vida passam a ser coisas meramente contínuas, para dar espaço a alucinação. É como se abrisse um lado de fuga das “normas sociais” para abranger uma fuga do acostumado em um mundo altamente religioso. Não são poucas as cenas que retratam mais claramente a intenção de matar alguém ou da vida pouco importar – deixado mais claro no arco da criança na trama. Essa fuga da camada social, entretanto, abre espaço para uma discussão sobre o fato de viver. Quem conduz mais esse caminho é Selva (Sofia Boutella), parecendo o tempo inteiro não entender de que forma havia se chegado ali. Não é a toa ela ser a primeira a perceber as drogas na bebida.

Há ainda espaço para uma discussão política, mesmo não sendo totalmente elucidada. Para isso, a relação de inferioridade para com as mulheres pelos homens é um dos elementos fundamentais, representados de maneira mais crua pela cena do julgamento da mulher grávida e pela banalização da atividade sexual com o gênero feminino. Essa segunda expressão ainda fica mais clara na sequência de diálogos sobre sexo anal. Além disso, pode-se elaborar uma questão sobre imigração, falando da diversidade étnica da França e como esse quesito é uma parte quase fundamental do país. Tudo isso ainda relatado com uma bandeira do país no fundo, expressando esse nacionalismo multifacetado.

Clímax é um dos grandes pontos altos da carreira de Gaspar Noé. Desafiador, climático, bizarro e pouco elucidativo, o filme convida o público a uma própria viagem alucinógena ocorrida com os protagonistas. Olhamos sob a ótica desses e os conhecemos, porém talvez não da maneira mais correta possível. Todavia, Noé quer deixar bem claro como gosta de discutir sobre nossa maneira de pensar dos seres humanos, os nossos impulsos em situações extremadas. Mesmo achando que temos, o diretor mostra claramente como nunca teremos o controle da nossa cabeça.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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