Resenha – Domex (HQ)

Um homem indestrutível, com um lado máquina e outro humano. Sem moralidade, para qual todas as mulheres caem de amores logo que o vêem. Ao mesmo tempo que é defensor da humanidade, também não tem tantos escrúpulos morais, caso precise fazer uma atitude fora de um regimento considerado “aceitável”. Você pode achar que estamos falando do Exterminador do Futuro ou do Conan – até mesmo de uma mistura dos dois. Porém, na verdade, é Domex, um homem quase impossível de viver nesse nosso universo contemporâneo. Contudo, ele não passa de uma lembrança de um momento retrógado, especialmente por tudo que representa, sobre um mundo anterior. A partir dele e da construção cultural brasileira, pai e filho discutem sobre o passado e o futuro na publicação da editora Veneta.

Gustavo Piqueira parece não ter medo de fazer uma narrativa que vai se construir sempre pelo absurdo. Ao buscar um desenho quase infantilizado e nunca tão “bem construído”, ele já consolida uma ideia do que iremos ver pela frente. É, literalmente, uma história de construção. A espera da pizza por parte dos dois familiares desperta um desejo pelo reconhecimento das referências ao longo do tempo. É como se o artista estivesse quase falando com o próprio cerébro, ou o próprio pai, tentando conceber como ocorre a criação de algo a partir de tanta coisa que se tem. E isso parte desde a ideia base do personagem título até propriamente a figura do ex-ditador brasileiro Ernesto Geisel, por exemplo.

Essa tentativa de criar um diálogo sobre as perspectivas diferentes das mais diferentes também faixas etárias, consolida uma trama que tem muito mais interesse nesse caminho de não ser. Não existe propriamente um desenvolvimento ali a ser detalhado. Essa experimentação de formas, cores, ideias, e até formatos, dão um pano de fundo para como toda a discussão temática está igualmente proposta. É como se essa junção de um pai e um filho fosse, a todas as conversas possíveis, um encontro sobre eras, sobre diferentes conhecimentos e referências sobre sociedades do passado e do futuro.

Por isso mesmo, o próprio balanço entre Domex e as figuras femininas de desenhos japoneses – sempre muito esteriotipadas -, colocam em xeque a forma que observamos as mudanças de perspectivas pelo tempo histórico. O passado, repleto de preconceitos, também está representado no presente. A figura de Geisel é quase como uma ideia dessa passagem de apenas estarmos falando sobre o lado cultural e como a questão política está diretamente envolvida nisso. Desse jeito, numa concepção mais metafórica, Piqueira traz uma HQ bastante pessimista, apesar do seu lado extremamente cômico.

Domex ultrapassa de um quadrinho para ser uma filosofia sobre a cultura ao longo dos anos no Brasil. É bem claro como Gustavo Piqueira realiza um jogo dúbio de brincar e refletir sobre suas próprias referências e maneiras de elucidar a mente ao criar uma obra de arte, mas também existe um caminho reverso, da maneira que essas obras estão olhando ao nosso redor. Cada vez mais estamos repletos de experiências, informações e maneiras de pensar sobre o universo. Todavia, ao mesmo tempo, também parecemos cada vez mais distantes nos mais diversos pensamentos. Apesar disso tudo, é inegável que teremos as mesmas inspirações, no fim das contas, por estarmos fadados à repetição eterna.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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