A morte de Peter Fonda e os 50 anos de Sem Destino
2019 será um ano deveras marcante para o filme Sem Destino. Não apenas pelo fato dos seus recentes 50 anos completados (no mês de junho), mas agora também pela morte de um de seus astros, Peter Fonda. Fonda interpreta no longa Wyatt, na qual, junto de Billy, viajam pelas terras do interior dos Estados Unidos. Billy que, por sinal, é feito na produção por Dennis Hopper (falecido em 2010), também diretor de Sem Destino. Mas, qual será o legado deixado por ambos na obra? Na cultura pop? Na história da humanidade?
É impossível começar falando sobre tudo sem rememorar o filme por si só. A representação do seu meio século é algo realmente impressionante e catártico ao cinema. Talvez seja uma das produções mais rememoradas pelas suas catárticas cenas andando ao deserto com motos, porém sem uma lembrança mais atual. Até existe um trabalho complicado da crítica de pouco falar dele. Sem Destino é marcante por uma representação contemporânea de toda a cultura nos Estados Unidos, mostrando um gigantesco conflito da onda hippie – abordamos sobre ela musicalmente aqui também. A liberdade, tema relevante a causa, é trazida aqui de uma modo mais direto, seja nos comportamentos dos personagens, com o sexo, drogas e rock, seja pela forma de realizar o cinema. Hopper deixa isso bem claro quando não constrói uma narrativa de acontecimentos formuláicos, mas se importando com as direções da vida.
Nesse preceito, é possível até perceber o longa como uma metáfora dessa vida buscado pelo grupo. A liberdade acima de todas as coisas é mostrada até sem fim, trazendo algo meio desordeiro, porém, ao mesmo tempo, organizado daqueles núcleos sociais. Uma das cenas na qual mais reflete isso é quando os dois estão no acampamento, em que cada situação parece não ter relação com a anterior, contudo existe uma coexistência social. A busca pela não busca também faz parte de construir uma obra cinematográfica e aqui isso é realizado diretamente. Se Quentin Tarantino buscou isso para representar 69 em Era Uma Vez… Em Hollywood, muito se inspirou nesse legado.
Ao elevar uma catarse sobre um comportamento social, a direção de Hopper também acaba formalizando as consequências trágicas ao fim. Não existe uma possibilidade dessa liberdade enquanto pequenos conflitos sem sentido persistirem. Por isso, a figura da moto é tão relevante nesse contexto, expandindo significado a possibilidade de asa no ser humano. Como não podemos voar, podemos tentar andar rápido pelo chão, através das estradas. A busca por um sentimento profundo de fugir de tudo é o que mais faz sentido com essa produção.
E no meio disso, Fonda é extremamente importante. Uma figura, dentro da história, que parece não entender muito bem seu papel no meio disso tudo. Quando lhe é oferecida uma droga para compartilhar em um grande momento, ele não sabe muito bem qual seria esse. Não sabe muito bem como reagir a sociedade àquela maneira, como uma nova engrenagem social. Talvez é até possível perceber sua representação como ainda aquela figura de faroeste de uma década anterior, inteiramente centrada nos valores morais conservadores. Não necessariamente que sua figura poderia ser considerada isso, todavia toda sua interpretação e colocação dentro do filme passam um outro sentimento, não daquela liberdade citada anteriormente, entretanto um receio.
Essa questão pode ser também relacionada ao fato de seu pai ser simplesmente Henry Fonda, um dos atores mais chamativos da grande época do faroeste americano. Apesar da demora, Peter trata Sem Destino como um jeito de realizar esse distaciamento para uma persona muito mais pensativa sobre esses anos. Anos extremamente complexos e diversos dentro da cultura americana. Mais do que apenas a interpretação, ele ainda escreveu o roteiro do longa, na qual foi indicado ao Oscar. Era uma demonstração da sua capacidade de olhar a sociedade a volta e colocar pensamentos sobre aquilo.
Passados 50 anos, o ano de 2019 vai ficar marcado. Até pela ocorrência de Sem Destino e Peter Fonda terem sido bastante renegados ao longo dos anos. O primeiro, mesmo muito quisto em anos próximos, acabou sempre sendo deixado de lado pela crítica e pelo público. Já o segundo devido aos papéis sempre abaixos, com apenas O Ouro de Ulisses, de 1997, quebrando isso devido a sua indicação ao Oscar. O tempo, nada bom com quase ninguém, pareceu ter reservado um espaço especial de memória nesse ano as duas figuras. Jamais esquecidas, jamais deixadas de lado a partir de agora. Sempre, porém, livres, com os cabelos ao vento.