Crítica – Ambulância: Um Dia de Crime
As primeiras cenas de Ambulância: Um Dia de Crime caracterizam três personagens de maneiras distintas. Will Sharp (Yahya Abdul-Mateen II) é um antigo combatente do Exército dos Estados Unidos, mas que não consegue usar nem mesmo o plano de saúde pelo qual tem direito por ser um militar. Cam Thompson (Eiza González) atende dentro de uma ambulância socorros, porém não tem nenhuma relação próxima com ninguém e não liga para os pacientes que ajuda no dia a dia. Já Danny Sharp (Jake Gyllenhaal) é um rico bandido, irmão de Will, e, ao mesmo tempo, alguém pelo qual nem mesmo a polícia local parece ligar. A realidade de cada um pode parecer distinta, no entanto é necessária para explorar todo o debate proposto por Michael Bay no decorrer da produção.
Isso porque a trama irá se desenrolar especialmente na conexão deles dentro de uma ambulância. O caso acontece após o assalto dos irmãos com um grupo de bandidos a um banco. Pela intromissão de um policial que acaba sendo ferido (Jackson White) e alguns agentes de vigilância pela carga financeira que seria transportada, o crime dá errado. Para fugir ao longo de Los Angeles, eles acabam adentrando no veículo de transporte de feridos em uma eterna fuga passeando pela famosa cidade.
Bay faz de Ambulância: Um Dia de Crime um verdadeiro tour por uma cidade que representa a falha do sonho americano contemporâneo. Enquanto poderíamos esperar que todos os valores construídos ao longo da história no país, desde os cowboys, fosse representante de um mundo atual, a realidade se encontra bem longe. Nem mesmo a tecnologia, que poderia ser capaz de unificar a todos, é motivo de salvação. Essas três personas são fundamentais para a maneira como o filme vai explorar uma ideia conservadora de um país. Mas não necessariamente em um caráter negativo, e sim pela forma como esses personagens estarão imersos em um mundo cru a partir da relação estabelecidade dentro de um ambiente fechado.
Nesse sentido, é até divertida a maneira como a direção é extremamente frontal com o desenrolar dos fatos. A apresentação dos personagens acontece sempre através de pequenos minutos, essenciais para entendermos de que jeito vão se encaixar nesse universo. Interessante como a própria encenação (extremamente caótica, com uma câmera que nunca parece fixa e sempre quer representar bem esse zeigest) reflete isso, ao trazer alguém novo a cada momento. Sempre somos apresentados a algum novo personagem, que será importante para algum desenvolvimento específico da história. Talvez o melhor exemplo seja o agente do FBI Anson Clark (Keir O’Donnell). Recém-promovido para chefe da divisão de bancos, a sua aparição é em uma sessão de terapia com o marido, para o qual acaba sendo chamado a ação devido ao caos que Los Angeles se transformou.
Com toda essa reverberação a um passado perdido, o diretor também reflete seus temas olhando para cineastas clássicos. Caso especialmente de Howard Hawks, que aparece no olhar para os protagonistas (especialmente no embate sobre a ideia de vilão, algo diretamente vindo de Scarface) até um entendimento profundo sobre uma desilusão moderna, que está presente desde o período do velho oeste (algo que o último flashback reproduz bem). Todavia, Bay também se refere bem a Michael Mann, ao construir os momentos de ação como um gigantesco setpiece de acontecimentos, em que nem mesmo geograficamente parecemos compreender bem o que ocorre (a sequência do assalto lembra Fogo Contra Fogo, por exemplo).
Falando na própria ação, é nela que se reflete o que o longa apresenta de pior, que é a tentativa de sempre escalonar os períodos de combate. Enquanto, inicialmente, somos encaminhados para um universo duro e até mesmo chocante – como em algumas cenas de gore -, a partir do meio para o fim parece que a direção quer transformar tudo em apenas algo maior. Desse jeito, a adição e desenvolvimento de novas figuras, como Papi (A Martinez), parece algo que apenas quer trabalhar algo ainda mais gigantesco, perdendo espaço para a relação cósmica estabelecida dentro da ambulância.
O filme ainda tem todo um tracejo para abordar pormenores presentes na sua temática, caso da racialidade (a dupla de protagonistas é branca e negra, assim como os policiais ‘principais’). Contudo, Michael Bay está correndo bem mais atrás de reencenar uma América falida no mundo atual. É dentro dela que até mesmo uma cirurgia pode ser feita pelo telefone, quando protetores da saúde estão jogando golfe. O mesmo pode ser dito de um chefe da polícia mais interessado no próprio cachorro que em um grande roubo. Até que ponto esssa sociedade de Ambulância: Um Dia de Crime ainda persiste nos tempos atuais? De que forma esse mundo e esses humanos irão aprender a se reconectar? Se Hawks explorava a ação como maneira de observar um mundo de intensas transformações no século XX, Bay observa esse novo cosmo como objeto de mudanças sociais, mas com as adaptabilidades da realidade atual.