Crítica – Cangaço Novo (Primeira Temporada)

O passado pesa em Cangaço Novo, tanto no título, quanto na trama em si, uma vez que o termo “cangaço” possui significados diferentes, dependendo de quem olha. Seriam cangaceiros simples malfeitores ou uma forma de defesa diante um estado incapaz de agir pelo bem dos nordestinos? Abraçar essa visão dupla do fenômeno é um dos principais trunfos da série do Prime Video, onde os “mocinhos” não são assim tão bons – pelo menos inicialmente -, e a relação dos novos cangaceiros com a região de Cratará é complexa, um misto de respeito com medo.

Já na história, esse peso se faz sentir em Ubaldo Vaqueiro (Allan Souza Lima). Morador de São Paulo, fracassou na vida: foi expulso do Exército e a trama abre com sua demissão de um banco. A situação o deixa incapaz de cuidar do pai adotivo, que está no hospital à beira da morte. Após encontrar um documento apontando uma possível herança no Ceará, ele parte em busca da sua possível salvação.

Ele até encontra uma herança, mas não a que esperava. Ubaldo se depara com o legado de seu falecido pai biológico, Amaro, importante líder cangaceiro da região. Enquanto um evento da infância levou o protagonista a sair do lugar, suas irmãs, Dinorah (Alice Carvalho) e Dilvânia (Thainá Duarte), por lá ficaram. A primeira se tornou integrante de um grupo de assaltantes de banco da região e não está muito contente com o retorno do primogênito, que a princípio só quer vender as terras da família o mais rápido possível para ter dinheiro no bolso.

Mas o contato com o cangaço moderno leva Ubaldo a explorar mais do seu passado, e assumir o papel deixado por seu pai. O primeiro contato com o grupo mostra que Cangaço Novo não teme mostrar seus personagens centrais de modo pouco favoravel, como quando um deles está agredindo e humilhando inocentes durante um assalto a banco, e até mesmo amarrando um homem ao capô de um dos carros, servindo como escudo humano.

Se os personagens não são figuras admiráveis, eles compensam na personalidade, especialmente Dinorah, cuja atuação de Carvalho constrói uma mulher complexa, sem medo de usar da violência para resolver suas questões, mas também muito protetora daqueles que a cercam.

É nos personagens que cercam Ubaldo que Cangaço Novo tem sua maior força, por imbuir uma sensação genuína de comunidade, onde as ações das figuras principais tem impacto não só nas suas vidas, mas também na região como um todo, com outras figuras dando corpo a questões importantes, como religião e política, especialmente Zeza (Marcélia Cartaxo), que se torna uma espécie de lider dos mais pobres, apoiando os atos de Ubaldo e agindo contra o atual prefeito, Gastão Maleiro (Bruno Bellarmino), cuja família domina o local desde sempre.

Essa densidade de questões é muito bem vinda, especialmente diante de uma região que há muito sofre com representações estereotipadas, fruto de um mercado cinematográfico focado no eixo Rio-São Paulo. Uma pena que, conforme se aproxima do final, há certa pressa em chegar a determinados pontos da trama, e certas tensões se perdem ou são criadas muito rapidamente. A integração de Ubaldo ao grupo de cangaceiros, por exemplo, ocorre fácil demais, assim como sua profissionalização, falta um arco nesses pequenos elos da história. Ao final muitos elementos são introduzidos e resolvidos em poucas cenas, falta certo respiro para que certos acontecimentos tenham o impacto devido.

Nada que tire muito do brilho de Cangaço Novo, que consegue estabelecer um universo interessante e rico para ser explorado nas prováveis futuras temporadas, e que os roteiristas tenham o tempo que precisam para solidificar as transformações dessa trama. Há espaço para mais, muito mais.

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