Crítica – Cassandro
Cassandro começa mostrando qual visão vai buscar retratar de seu protagonista e personagem título do filme. Ele é alguém que, apesar dos receios e de ser diferente, participa dos campeonatos de luta livre, que são vistos por uma grande comunidade mexicana nos Estados Unidos. Definitivamente é alguém que sofreu com problemas familiares ao lidar com o fato de ser gay, contudo utiliza disso mesmo como uma forma de resistência e sobrevivência. Ou seja, de cara, é possível ver como o cineasta Roger Ross Williams traça um caminho de valorizar o seu personagem.
E isso até faz bastante sentido. Pelo fato de Saúl Armendáriz, interpretado aqui por Gael García Bernal, ser uma das figuras mais interessantes da história desse esporte. Participando de campeonatos de luta livre interpretando um lutador gay, o fez ser cada vez mais aceito nesse meio, composto – em grande maioria – por homens com atitudes machistas. É como se ele conseguisse desbravar um caminho, mesmo que nunca tenha feito isso diretamente. Foi algo natural, simples. Dessa forma, acompanhamos o começo da sua trajetória profissional, até o estrelato pelo mundo inteiro nos anos 1990 e 2000, o transformando em uma das figuras mais famosas da comunidade LGBT+ do planeta.
Como dito anteriormente, há uma clara ideia por parte da encenação em o não transformá-lo em um mártir. Isso verdadeiramente nunca está as claras. Obviamente a homofobia onipresente nos cenários em que ele estava é retratada (quando é chamado de “bicha” por uma platéia, ou o fato de ser considerado “exótico” nas lutas). Contudo, é como se Cassandro fosse um filme quase libertador nesses mesmos embates, já que busca realmente se aprofundar nas sutilezas e dramas das relações desse mesmo protagonista.
É até uma escolha curiosa e que funciona inicialmente. A relação com Gerardo (Raúl Castillo), por exemplo, traz muito dos diversos conflitos pessoais e psicológicos dos dois – desde afastados, até juntos. O grande problema é que esses grandes períodos soam quase como um oasis em meio a uma certa confusão narrativa. Dividido em partes, ele funciona perfeitamente bem ao relatar mais dos dramas do protagonista e na construção de Cassandro enquanto um lutador – alguém que pode cativar também o público. Porém, a obra acaba adentrando sempre em meandros para cada uma das partes que fazem a outra perder totalmente o foco e retornar absolutamente do nada. Soa desconexo, quase mal encaixado.
Ao mesmo tempo, o longa tem uma verdadeira força nos momentos das lutas, em que Williams se utiliza de muitos cortes para mostrar sempre as reações da plateia em cada um dos golpes. Em momentos, criticam o personagem, por ser um gay batendo em um “herói”. Em outros, o enxergam como o grande lutador da noite, alguém a se inspirar. Essa reflexão fica bem evidente na cena em que ele participa de um programa de televisão próximo ao fim, mostrando-se como alguém que também pode ser fruto dessa mesma inspiração.
Se mostrando forte em alguns ótimos momentos, Cassandro ainda é um filme que consegue ser mais do que uma simples cinebiografia qualquer. Porém, também soa genérico ao parecer um tanto quanto perdido para qual caminho vai andar, se de um drama de um homem gay abandonado ou de um lutador em ascensão. Em certo sentido, são duas produções em uma. E ambas funcionam. O problema é que, encaixadas do jeito que estão, transformam tudo em algo menor do que poderia ser.
Essa crítica faz parte da cobertura do Senta Aí do Festival do Rio 2023