Critica – Dia da Posse

O que fazer quando se mora em um prédio em pleno isolamento social? Olhar pela janela é uma das opções, ver o mundo lá fora e, às vezes, bisbilhotar os vizinhos. É em uma conversa sobre isso que Dia da Posse começa, com o diretor, Alan Ribeiro, e o “ator” principal do seu, Brendo Washington, falando sobre os hábitos daqueles que veem pela janela, enquanto filma, à distância, essas mesmas janelas, nos convidando para esse ato voyeurista ao lado deles.

Ato esse que se estende ao próprio assitir do filme, já que o longa é constituído por cenas do cotidiano dos dois, conversas soltas sobre o estados das coisas, reuniões de estudo pela internet e encontros familiares por videoconferência. É um ato de voyeur duplo, vemos o par vendo a vida dos outros assim como nós vemos a vida do par. O foco está em Brendo, jovem de 23 anos, estudante de direito, que veio da Bahia estudar na UFRJ, e que aspira entrar na política, enquanto Allan quase não se revela.

É no carisma e história de Brendo que Dia da Posse se sustenta, cujo passado e as aspirações do futuro pintam o cenário de um Brasil que até passou por transformações positivas, mas cujos caminhos políticos acabaram com o sonho de muitas pessoas. “Foi só eu entrar na faculdade que começou desemprego em massa, pandemia” diz Brendo em certo momento. É difícil não se identificar com a situação, de ter certas aspirações abortadas diante de um cenário do qual não se tem controle.

Mas isso não impede de modo algum Brendo de ter seus sonhos, e de tentar ao máximo interpretá-los da maneira que pode. Se somos voyeur dessa pessoa, não poderíamos ter sujeito melhor, já que ele também quer ser visto. A vontade de entrar no Big Brother Brasil é recorrente, com encenações de seu vídeo de apresentação para o programa, assim como sua despedida, “com rejeição recorde”. O sonho de ser presidente se faz presente também, de modo um pouco mais sério, já que seus pronunciamentos políticos são postados no Facebook, enquanto os do BBB ficam restritos ao filme.

Dia da Posse é um filme político, mesmo que esse aspecto seja mais sutil, mas que quase sempre surge diante de certas observações do cotidiano. Em uma cena onde os dois observam pombas pela janela, surge uma reflexão de Brendo sobre a pobreza, de como ele “entendeu ser pobre”, descobrindo seu espaço no mundo, o que dá também motivação para que ele tente mudar esse cenário, levando aos seus sonhos políticos e afins.

O título do longa evoca um dia específico na história recente do Brasil, e assim, traz certas expectativas sobre como irá lidar com esse evento, que são subvertidas diante do que o filme é de fato, mas que não deixa de ser um comentário sobre o dia 1 de janeiro de 2019, e seu profundo impacto na rotina dos brasileiros. Essa data nunca aparece de fato, mas nem precisa, cada cena de Dia da Posse o traz à tona, à seu modo. 

Esse texto faz parte da nossa cobertura do Olhar de Cinema 2021

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