Crítica – Holy Spider
A cena inicial de Holy Spider reflete toda a brutalidade que o filme vai trabalhar ao longo de quase duas horas. Nele, uma mulher se arruma, beija seu filho e sai de casa, dizendo que irá voltar antes dele acordar. A partir daí, ela vai para diversos locais e encontra diversos homens, trabalhando como prostituta. Um deles a leva para um estranho ambiente, espécie de uma casa. Quando ela recusa entrar, ele a mata e esconde o corpo. O mote principal do longa está colocado, e toda a falta de leveza nessa cena inicial (em que vemos desde de um boquete explícito até mesmo a morte sem nenhum pudor), dão o tom que a obra vai querer trilhar.
Porém, o novo trabalho na direção de Ali Abbasi (depois de Border, em 2018) não fala dessa mulher e sim desse homem. Um serial killer de prostitutas, Saeed (Mehdi Bajestani) que diz estar limpando o Irã e a cidade sagrada de Mashhad das “impurezas”. É o que ele relata sempre para um jornalista da região. Contudo, as coisas começam a mudar quando uma jornalista mulher, Rahimi (Zar Amir-Ebrahimi), que foi colocada de lado pelo antigo jornal em que trabalhava, vai até o local tentar descobrir o método e a identidade do assassino.
Holy Spider é um filme que retrata o tempo inteiro uma sociedade controlada pelo medo. Medo esse que irá atingir todos os âmbitos, todas as partes, desde essa mulher, que quer fazer algo de positivo, até mesmo o assassino em série, que tem receio de ser encontrado e da reação da sua família com seus atos. Contudo, como dito inicialmente, a brutalidade é um elemento chave da direção para encontrar espaço nesses ecos temáticos. Por isso mesmo, o longa busca sempre reforçar essa questão com uma nova cena “chocante” – seja isso a morte de mais uma mulher de um jeito absurdo ou, até mesmo, o grande clímax.
O grande porém é como isso transforma a trama, que busca gerar uma simpatia por uma mulher contra um homem e o domínio ideológico de uma sociedade machista, em uma grande carnificina generalizada. Abbasi gera simpatia por parte do público para com as mulheres, caso da mulher do serial killer, para, logo em seguida, as fazerem ser vítimas de uma violência. Há, obviamente, uma tentativa de ecoar uma grande realidade no meio disso tudo. O problema é que parece um tanto quanto contraditório reforçar essa imagem de uma violência contra a mulher a todo instante. Ao mesmo tempo que a obra tenta trazer esperança em um momento, ela reforça uma brutalidade na mesma situação.
A encenação demonsta bem como o longa se preocupa muito mais em criar grandes momentos nessas mortes (incluindo uma até que mostra erros por parte do assassino, como ao deixar o corpo cair da moto e tudo mais), do que em reforçar algo além disso. Claro que existe em Holy Spider um senso uma sociedade adoecida, algo que aparece de forma importante dentro do trecho final. Entretanto, antes disso, esse adoecimento, medo, obscuntarismo, está muito mais em um aspecto psicológico e na forma como a produção quer mostrar isso para os espectadores, e não diretamente tudo na cara.
Aliás, é impressionante como isso aparece de forma ainda mais brutal na sequência findoura, que fala sobre o filho e a filha de Saeed. Novamente, reforça o ponto e a temática que Holy Spider quer explorar. E, mais uma vez, não quer sutileza e sim brutalidade. O sútil, o simples, acontece apenas com seu grande “vilão”, que é sempre explorado por um viés um tanto quanto dúbio – o que faz sentido com a condição dramática como os fatos exploram ele. O maior problema por parte de Ali Abbasi é querer colocar seu ponto forte demais. Tão forte, a ponto dele até se perder um pouco no meio do caminho.
Esse texto faz parte da nossa cobertura do Festival do Rio 2022