Crítica – A Praga
A história prévia de A Praga já é algo inteiramente cativante. Inicialmente, foi um filme que teve os arquivos totalmente perdidos no acervo gigantesco de José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Depois que foram encontradas pela primeira vez, no início dos anos 2000, estavam todas sem som, e foi necessário um gigantesco trabalho técnico para descobrir as falas e redublar tudo. Após isso, o diretor foi chamado para gravar uma sequência inicial, uma espécie de preâmbulo. A trama, quase cinematográfica, ainda demorou até começar a realmente sair do papel. Pouco antes de morrer, o cineasta ainda acompanhou um novo processo de mixagem e produção de trilha sonora. Mojica acabou não vendo, mas o longa de horror, perdido dos anos 1980, saiu do papel.
Talvez esses acontecimentos gere alguns dilemas para quem for escrever a crítica de A Praga. Claramente, e isso está óbvio em cada um dos minutos das pouco mais de 1 hora de duração, é uma obra remendada, repensada. Não é nem de longe aquela mesma feita e dirigida por Zé ainda no seu período auge do cinema, após diversos lançamentos de destaque nos anos 1960 e 70. A trama principal, aliás, fala de um casal, Marina e Juvenal, que resolvem fazer um passeio e, após tirarem fotos em frente a casa de uma estranha mulher, o homem é atormetado por pensamentos ruins e uma ferida que começa a crescer.
Se ao longo de sua filmografia o diretor sempre venerou as produções B do cinema de terror e ficção-científica dos Estados Unidos, é aqui talvez o auge nesse sentido, Vemos uma narrativa que se fundamenta nesse horror e gore cresce por todas as partes, porém nunca feitos de maneira substancial. São plásticos, elásticos, quase como uma intencionalidade de brincar com um mundo plástico do medo. À Meia-Noite Levarei Sua Alma, seu filme mais clássico, já tem isso tudo, contudo feito buscando um melodrama narrativo tipicamente brasileiro. Aqui, é como se ele realmente estivesse atrás de um produto exportador.
A visceralidade é um elemento chave aqui, sejas nas relações entre os personagens, seja nas cenas de sexo ou de morte. Elas buscam ser realmente absurdas, ridículas e, até mesmo, desconfortáveis. Uma sequência próximo ao fim mostra um buraco engolindo uma pessoa. E isso tudo com até uma cena subjetiva dentro desse mesmo buraco. Algo típico e clássico de um cinema B, que é colocado em A Praga de jeito a ser parte de uma encenação que não busca nenhum tipo de realismo.
Ao chegar em seu momento final, fica bem claro como o longa existe bem mais como um documento histórico do que realmente como um lançamento de agora. Não há medo em ser grotesco, sexual, e até meio errado em diversos momentos. É um cinema como não se vê mais em nosso país. Remete a um período de distante, em que toda a produção parecia menos polida e também com menos medo. Pouco importa se isso é positivo ou negativo, apenas é. E José Mojica Marins fez parte de toda uma época em que isso existia, e em que o cinema de horror brasileiro era apenas um bebê.
Esse texto faz parte da nossa cobertura do Festival do Rio 2022