Crítica – Inacreditável
No primeiro episódio de Inacreditável, nova série da Netflix, vemos Marie (Kaitlyn Dever) logo após ter sido violentada sexualmente. Ela sofre por enormes trâmites para poder simplesmente voltar para casa, tendo de, por exemplo recontar sua história várias e várias vezes. Isso começa a enjoar e ela começa a se contradizer em seus argumentos, fazendo com que, ao fim, diga ter realizado um testemunho falso e não ter sido realmente estuprada. No segundo episódio acompanhamos Amber (Danielle Macdonald) passando pela mesma situação. A diferença é o tratamento de respeito, calma e paciência dado a ela pela detetive Karen Duvall (Merritt Wever).
Não existe um lado maniqueísta nessa consideração incial, apenas uma tentativa de demonstração ao tratamento de vítimas de estupro. Essa é a realidade apresentada para dar início a uma história de investigação sobre o mesmo caso, de um estuprador. Ele pratica os mesmos métodos e ainda não dá nenhuma pista ou possibilidade para a polícia das diferentes localidades o encontrarem. Karen, assim, acaba se juntando com Grace Rasmussen (Toni Collette), uma outra detetive na qual está lidando com um caso similar, para desvendar o culpado. A trama, baseada em uma história real, é iniciada assim.
A narrativa busca atrelar especialmente dois olhares aos acontecimentos. Enquanto pelo lado de Marie vemos a consequência psicológica e pessoal para uma mulher abusada, do outro vemos a detetive com um empenho gigante para tentar entender melhor o ocorrido. A criação de Ayelet Waldman, Michael Chabon e Susannah Grant, baseada em uma reportagem de Ken Armstrong e T. Christian Miller, coloca esses elementos em jogo. O andar dos episódios não vai em busca de tentar realmente explorar uma camada social sobre isso tudo, especialmente no lado da jovem Marie, entretanto isso acaba existindo involuntariamente. O foco não é também no suspense. A junção imposta aqui está totalmente atrelada a dramaticidade de tudo.
Esse fator acaba gerando uma inerente camada de tensão, pelo público queer descobrir a verdadeira identidade. Isso acaba sendo revelado ao fim, todavia, até mesmo nesses episódios, estamos mais conectados com a maneira na qual as personagens abusadas passam por isso. Ao mesmo tempo que vemos também um certo esgotamento psicológico por parte das detetives. A última sequência (o diálogo por telefone), inclusive, só traz isso ainda mais a tona, pelo motivo bem simples de buscarmos um olhar empático a todas essas pessoas. O seriado não tenta trazer uma total condição de vítima, até por querer espelhar a vida real. Elas querem, simplesmente, não sofrer mais.
Mesmo perante a esse gigantesco pilar dramático do enredo, há um certo sentimento de perda na tentativa de mistura de gêneros. O crime/suspense ganha uma parte considerável de alguns capítulos intermediários, mas acaba desaparendo logo na seguida. Assim como o caso da prisão, acontecendo com uma certa falta de qualquer relevância própria. Isso não seria um problema se a própria trama não tentasse também dar um enfoque grande para essas questões de tensão nos pequenos elementos, inclusive gerando uma interação direta com trilha sonora e na fotografia com closes. O problema é que existe uma falta de coesão ou até uma transição mais tranquila.
Inacreditável é uma pesada e complexa minissérie, na qual, muito provavelmente, não conseguirá ser digerida tão facilmente pelo público. Seus debates e a profundão questão sistemática social em torno das mulheres geram interessantes temas abertos aqui. Por um lado, no quesito dessa força dramática em uma trama de crime, pode-se pensar em uma relação mais direta com True Detective. Por um outro caminho, quando trata das questões psicológicas em torno do estupro, rememora bem mais o filme O Mundo É o Culpado, de 1950, feito por Ida Lupino. Com essas referências na mesa, talvez faltasse uma maior tranquilidade e apreço para realizar uma apresentação menos desconexa. Não que isso tire 1% de força possuído intrinsicamente para essa história.