Crítica – Tenet

Christopher Nolan é um cineasta que inspira fortes emoções tanto no público em geral, quanto no especializado. Dessas emoções, saem uma série de adjetivos: gênio, visionário,complexo, charlatão. Independente da posição que se tome nesse sentido, qualquer nova produção do diretor se torna um evento, uma nova exposição das obsessões tão bem mapeadas do cineasta. Tenet é superlativo nesse sentido de ser um “evento” devido aos acontecimentos do ano, quando subitamente lhe foi incumbida a missão de “salvar o cinema” quando estes tiveram que fechar devido a pandemia.

Mas também é um longa superlativo dentro das próprias manias do diretor. Como Dunkirk antes desse, Tenet é o filme “mais Nolan” possível, até o próximo, pelo menos. Das diversas características usadas para descrever o seu cinema, quero destacar duas, que são até mesmo um tanto antagônicas: a de conduzir longas complexos – a indústria do “explicando final” deve salivar sempre que um filme novo dele é lançado – e a de ser excessivamente didático com suas narrativas. Pessoalmente, não concordo muito com a primeira, embora entenda o sentimento. Já a segunda é difícil negar: a personagem de Ariadne em A Origem existe para que as mecânicas do mundo possam ser explicadas a ela, enquanto Interestelar possui uma sequência em que buracos negros são explicados para um grupo de astronautas. Mas há uma ligação entre essas duas tendências, já que suas tramas são até simples, visto que A Origem é um filme de roubo, Interestelar um de “salve o mundo”, mas cujas mecânicas são complexa. Toda a ideia de entrar no sonho de outrem no primeiro, e a teoria científica por trás do segundo, que teve até mesmo um físico teórico como consultor.

Tenet não é diferente. É possível resumi-lo em uma frase: um agente secreto luta para evitar o fim do mundo. É o resumo de praticamente metade dos filmes do James Bond, franquia que Tenet claramente se inspira, e de diversos outros por aí. A virada, é claro, está nas mecânicas do mundo onde essa situação ocorre, e a mecânica da vez é temporal: o futuro está em guerra com o presente. Objetos com a temporalidade invertida estão aparecendo com cada vez mais frequência no presente, como por exemplo, munições que ao invés de serem disparadas em direção ao alvo, saem do alvo em direção a arma. Ao entrar em contato com um desses itens, o protagonista sem nome, interpretado por John David Washington, é incumbido de acabar com esse conflito, que envolve um poderoso traficante de armas russo, Andrei Sator (Kenneth Branagh) e sua mulher, Kat (Elizabeth Debicki).

Somado a esse mecânica, está o estilo narrativo depurado muito similar a Dunkirk, mas, se nest,e as bases da história são coisas universais (sobrevivência) e um período bem conhecido da história (II Guerra), que de fato não precisam de muita coisa como contexto. A obra possui muito mais dinâmicas, porém que são tratadas como fato dado daquele mundo. Personagens entram e saem da narrativa sem muita consideração, muitos aparecem somente em uma cena, John David Washington cruza o mundo com facilidade, os famosos letreiros de identificação geográfica não aparecem e as relações entre os personagens são pouco explicadas, Ives (Robert Pattinson) aparece quando preciso e assim o filme segue. É como se o próprio ato de assistir a produção fosse uma missão cujos espectadores não precisam saber de todas as peças.

Ou talvez a confusão realmente seja o nome do jogo. No ínicio do filme, um personagem fala para o protagonista que uma das marcas da guerra que está por vir é de que compreendê-la “já é uma forma de perder”. Em uma cena voltada para explicar a mecânica de inversão, a cientista encarregada dessa tarefa diz que talvez seja melhor não entender, “é algo mais intuitivo” diz ela ao protagonista, “se deixe levar”. Estaria Nolan explicando como aproveitar seu próprio longa? Provável, porque seguir esse conselho quase funciona, e o diretor entrega as melhores sequências de ação da carreira dele, sempre ancoradas em efeitos práticos e é difícil não ficar impressionado pelas cenas de ação invertidas, mesmo que em um sentido puramente visceral. Ao comentar que iria ver Tenet com um amigo, ele comentou que não gosta do Nolan, mas admite que ele sabe “criar experiências”, e isso está com força total aqui.

Mas a serviço de que isso tudo está é um tanto incerto, já que por mais que a mensagem falada seja de a curtir a viagem, não é bem assim que a narrativa se desenvolve, já que ela frequentemente se delicia com as minúcias das próprias mecânicas. E boa parte das relações entre os personagens se dá por meio de discussões sobre o tempo. “Já está com dor de cabeça?”, diz alguém sobre as mecânicas explicadas para o protagonista, e quero deixar registrado que eu, sim, tive. Pedir para “deixar para lá” certos processos mas ao mesmo tempo dar tanto destaque a eles soa um tanto paradoxal.

É uma pena pois Tenet é um filme que faz comentários interessantes sobre outros assuntos, como o mundo financeiro, questões de classe e até um pouco sobre o cinema em si, mas tudo fica perdido nessa confusão de “não importa mas importa” que o longa se colocou. Há muito do que admirar na produção de modo mais imediato, no entanto refletir sobre o filme leva a um labirinto um tanto desinteressante de se explorar. 

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