Crítica – A Maldição da Mansão Bly (minissérie)

Quem, de verdade, são os fantasmas? Essa questão não é uma que é racionalmente proposta em produções de terror, seja para qual mídia forem. A simples existência desses seres, que estão e não estão no mundo real, é amedrontadora – muitas vezes por nos vermos neles. São ecos do passado onipresentes no tempo e espaço. É através dessa questão que desponta a temporada da minissérie A Maldição da Mansão Bly, uma espécie de continuação simbólica (só que não) de A Maldição da Residência Hill. Com alguns atores repetidos e uma nova trama, somos colocados em um universo dramático para personagens com medo de questões em suas vidas.

A história de Bly é baseada no livro A Outra Volta do Parafuso, de Henry James. A obra, escrita e publicada ainda no século XIX, se tornou um clássico de produções sobre fantasmas, gerando um imenso legado. A adaptação mais famosa até então era Os Inocentes, longa de 1960. A base para a essa versão atual é a mesma. Estamos na Mansão Bly, quando uma nova au pair – espécie de babá – chega para cuidar dos jovens Miles (Benjamin Evan Ainsworth) e Flora (Amelie Bea Smith). Após Dani Clayton (Victoria Pedretti) chegar, ela começa a perceber estranhos comportamentos das crianças e algumas aparições esquisitas. Isso além de lidar com o trauma de uma perda pessoal.

É fato que estamos em contato uma produção bastante reciclada. Entretanto, os elementos do horror mais direto não são o que fizeram o cineasta Mike Flanagan, criador da minissérie, ficar tão reconhecido no gênero. Flanagan possui duas concepções bem básicas para com sua obra: o trauma infantil e os dramas pessoais. E esses são, novamente, trazidos com bastante força aqui.

Primeiramente, contando as duas crianças, visto que elas são órfãs. O tio delas, Henry (Henry Thomas), parece pouco ligar para a situação da dupla, quase renegando sua existência e criação para Dani. Isso se junta ao provável suicídio da antiga babá, muita querida pelos dois. No segundo ponto, eles são a grande chave para a morte da narrativa. Como já é possível perceber, os problemas desses personagens são o grande foco na hora de entendermos como eles irão olhar para frente. O passado é sempre um trunco, uma cadeado impossível de soltar. O mesmo acontece com as aparições por volta de Bly.

O clima de terror aparece desde o início, já com elementos primários na figura de Dani. Atormentada por um trauma na vida quando mais jovem, ela parece sempre envolta disso para conseguir sobreviver. Assim, a ideia de ir trabalhar em um lugar afastado de tudo, até longe da sua terra natal (ela é dos Estados Unidos e a casa é na Inglaterra), parece soar como uma boa ideia. Todavia, o comportamento sempre esquisito das crianças, gera uma espécie de repulsa imediata. A condição especialmente é estabelecida pelo confronto da “babá” com Miles, que sempre apresenta comportamentos adultos. Os dois quase nunca se entendem, algo que direciona o próprio conceito de amadurecimento para essas duas figuras – coisa que é trabalhada em um diálogo.

O clima de susto e tensão toma conta em pouquíssimos momentos. Somos brindados muito mais com uma expectativa de que algo possa acontecer, do que propriamente um susto. Tudo muda por completo por volta da metade da temporada, quando o lado do drama toma realmente conta. Narrativamente, os capítulos não têm medo de passar bastante tempo explorando quase um estudo sobre a índole dos personagens. Dessa maneira, os flashbacks são causo frequente para a história acontecer, sempre no conceito de algo traumático que está presente, mas não é dito diretamente.

O maior problema para a minissérie se encontra na maneira de adentrar o seu tema principal. Esse que aparece também aos poucos, numa relação bastante afetuosa de cada uma das figuras ali presentes. Entretanto, ele realmente entra nos acontecimentos quando entendemos quem é Peter Quint (Oliver Jackson-Cohen). E qual seria o problema sobre isso? Bom, o simples fato que, até aquele momento, sempre que uma nova situação aparece, ela é plenamente desenvolvida e demonstrada. Isso para ser possível entender quem eles são e porque fazem o que fazem. Porém, com Peter vemos um pouco caráter dramático da sua vida, muito representado por uma cena em intensa repetição. A ideia desse fantasma do tempo naquela casa, parece muito mais inofensiva do que a relevância dele para os acontecimentos.

A Maldição da Mansão Bly é muito menos uma história de terror, e sim um grande conto sobre luto, perda e fantasmas. Não os literais, mas sim os ecos, aqueles que se mantém na memória, especialmente as lembranças. Em um caráter até bastante emotivo, os 9 episódios rememoram bastante a estrutura dramática de A Maldição da Residência Hill. Todavia, se ali o mais interessante era o desenvolvimento desse medo onipresente na sociedade dos próprios traumas, aqui esses parecem ser ainda mais fortes que os sustos. Eles fazem parte onipresente da vida e de quem somos.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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