Crítica – Judas e o Messias Negro

Judas e o Messias Negro inicia sob uma ótica menos gigantesca que a figura de Fred Hampton (Daniel Kaluuya) será explorada posteriormente. De início, vemos uma tentativa de um roubo feita pelo jovem Bill O’Neal (LaKeith Stanfield). O problema é que tudo dá errado de cara e ele se vê em uma situação desconfortável perante a polícia. Para tentar fugir de uma possível pena, faz um acordo: precisa se infiltrar no partido dos Panteras Negras e avisar de tudo para o FBI na investigação. O problema é que a relação entre infiltração e se ver parte daquele grupo, o faz duvidar de suas atitudes.

O cineasta Shaka King realiza toda essa primeira parte como quase um filme de Scorsese nos anos 70. É um ambiente urbano bem complicado que, a qualquer instante, é passível de uma morte acontecer. Lá dentro estão presentes figuras variadas, mas que todas adentram em um ódio mortal onipresente na sociedade americana. É curioso como esse olhar inicial, começa a se alterar quando o longa abre portas para o mundo dentro do partido na cidade de Illinois. Por lá, Hampton era o líder dos Panteras Negras. Assim, King deixa um pouco de lado o caminho mais bruto traçado incialmente – e que vai retornar recorrentemente – para tentar criar uma obra que dê espaço a disputa narrativa entre negros e brancos naquele período.

Durante bastante tempo, histórias que abordavam os Panteras estavam relacionadas a uma truculência. E isso porque, justamente, quem escrevia esse lado eram agentes do FBI, visando disseminar uma imagem dentro da mídia. O problema é que tal imagem colou, sendo assim difícil para eles tentarem se desgarrar dessa ideia. O que Judas e o Messias Negro tenta traçar são as diversas narrativas que existiram dentro da sociedade nos Estados Unidos. Para isso, é curioso como o filme destaca uma visão dubial entre Fred e Bill. Enquanto o primeiro tem um caminho inteiramente idealista sobre propósito, atitude e revolução (o discurso após sair da prisão reforça bem isso). Já o outro tem um olhar carinhoso e solidário sobre as causas defendidas, porém pensa em características menos coletivas e mais individuais, o que faz ter uma espécie de “instinto de sobrevivência”.

Através dessa observação de dois lados, o filme desenvolve um complexo de não saber se pode realmente chegar a um nível de crítica. Em alguns momentos, isso deixa as cenas menos poderosas do que poderiam ser, já que, apesar de buscarem mostrar alguns erros dos Panteras Negras, tentam sempre levar para uma superficialidade. O grande problema é essa questão importunar como a obra está trabalhando a defesa de uma narrativa dúbia entre os lados de militância que aqueles dois homens possuem. O peso deixado pela tentativa em querer ser muito maior, faz muitas vezes ele parecer menor.

Porém, é interessante como o longa estabelece um lado cinematográfico dedicado a tentar entrar nos diversos gêneros. A dubiedade narrativa, como dita anteriormente, também aparece na forma que Shaka filma cada cena específica. Quando caminha para a ação, rememorando bastante o trabalho de Michael Mann ao explorar uma espécie de sensibilidade em meio aos tiros, mesmo sem dar o caminho estético que Mann traz. Há também um espaço para reverenciar o blaxploitation em caminhos absurdos (como no tiroteio contra policiais na sede do partido). Já do lado do drama e do policial, existem claras referências ao trabalho de Spike Lee, desde Ela Quer Tudo – no lado mais afetuoso – até Infiltrado na Klan.

É curioso perceber como Judas e o Messias Negro poderia cair em uma espécie de conto para desenvolver toda a figura de Fred Hampton. Apesar disso, ao determinar que vivemos em tempos completamente diferentes, Shaka King busca uma visão endereçada a quase um fatalismo do desaparecimento de figuras revolucionárias. Se hoje em dia a sociedade é extremamente dividida em pensamentos, por que também não poderia ser dentro de um grupo político como os Panteras Negras? Mesmo assim, é nessa dubiedade que mostramos diferenças e que somos múltiplos também. E isso tudo dentro de muitas perspectivas sobre quem somo e qual caminho queremos andar para chegar no que buscamos. Acima de tudo, a luta de Fred e o remorso eterno de Bill mostram que, talvez, a união deveria ter sido maior que a divisão.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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