Crítica – O Elísio: Uma Jornada ao Inferno

A história das guerras participadas pelo Brasil sempre foram bastante nubladas dentro da produção cultural. No máximo os conflitos e revoltas ocorridos geraram grandes impactos, especialmente aqueles atrelados a ditadura militar no país. Contudo, de um tempo mais recente, a participação de soldados brasileiros na segunda guerra mundial tem sido um tema retratado com maior frequência. Filmes como A Estrada 47, por exemplo, traz esse retorno de um olhar quase patriótico, mas, ao mesmo tempo, tentando trazer esses elementos de um passado esquecido. A tentativa é a mesma feita por Renato Dalmaso em O Elísio: Uma Jornada ao Inferno.

A história, todavia, é mais um elemento de fundo para contar a vida de Eliseu. Esse que era um homem simples, comum das terras encontradas por aqui. Entretanto, sua vida muda radicalmente de figura quando é chamado para estar de frente ao conflito, matar pessoas e ainda tentar entender o que estaria acontecendo com o mundo. Todo esse terror, verdadeiro – diga-se de passagem -, perpassa a entrevista que Eliseu deu, logo após retornar da guerra, a Altino Bondesan. Esse diálogo resulta diversas passagens dos praças tupiniquins nas terras italianas, além de como até chegaram a parar em um campo de concentração. Por isso a necessidade tão forte de contar esse passado.

O estilo de uma quase pintura em cada quadro por parte do autor busca uma sensação realista bem interessante a HQ. A sujeira, o sangue, o sexo, tudo traz uma conexão forte com essas questões mundanas. Os personagens, apesar de muitas vezes caricatos e artificiais, são expostos sempre de uma forma a demonstrar essas feridas do conflito. O problema acontece, todavia, quando Eliseu não é verdadeiramente o protagonista dessa trama, e mais é uma história sobre como esses soldados sobreviveram. Uma espécie de homenagem constante aos pequenos elementos e marcas deixados pelo conflito.

Dalmaso tem noção completa disso, acabando por sempre buscar uma narrativa esfacelada. Vemos passado e presente misturando-se, trazendo uma sensação de desconjuntura a essa realidade. Até que ponto aquela trajetória realmente faz sentido de chegar ao ponto da morte ser eminente? Ao mesmo tempo que, por que os soldados precisam ser aquele ponto de vista da batalha? As pequenas reflexões sobre um senso de nacionalidade acabam por ser intrigantes nesse narrador (Eliseu), sem entender muito bem qual seria seu lugar. Ele fica com uma mulher ainda em terras nacionais, porém acaba tendo um caso com uma italiana durante os conflitos. Qual sua relação de espaço, de ambiente? Em uma guerra é quase impossível de definir.

Esse caminhar acaba sendo percorrido pela grande problemática de um certo ideal bastante julgador da obra. Estamos vendo esses fatos sob uma ótica de muitos anos no futuro, por isso talvez a decisão mais acertada fosse perpassar por uma visão real – em conluio com o apresentado antes -, do que sempre um certo olhar poético dentro do protagonista. Sua visão parece um pouco irreal e sempre complexa demais a luz do embate. Ao mesmo tempo que essa questão de confusão da realidade narrativa ainda está presente nos diálogos. É interessante em como o autor simplesmente aceita alguns deles serem falados em outros idiomas. O problema é quando modifica isso de uma forma inteiramente abrupta.

Buscando trazer a tona diversos elementos esquecidos pela historiografia brasileira, Renato Dalmaso coloca O Elísio: Uma Jornada ao Inferno como uma verdadeira busca na identidade nacional. Ao mesmo tempo que traz a tona diversas discussões desse herói de guerra, na qual acabou sendo quase destratado quando retornou ao Brasil, ele gera uma necessidade da busca por essas histórias. De fato, quando assume isso na sua trama, temos um verdadeiro debate sobre até qual ponto as guerras são realmente batalhadas e não somente sofridas. E é a partir dessa reflexão que é possível observar o presente, tão fortemente, repetir o passado.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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