Crítica – O Urso do Pó Branco

É fato que Elizabeth Banks se notabilizou em toda a carreira pelos papeis em comédias, na maioria das vezes envolvendo traços corporais. Também é fato de que sua carreira, ao fugir do meio da atuação e abraçar de vez as multiplicidades narrativas na direção, nunca foi tão óbvia. Iniciando mesmo por A Escolha Perfeita 2 que, apesar de ser o pior da saga, é talvez o que busque mais elementos estéticos para uma trama simples. Depois, ao fazer a adaptação de As Panteras, em 2019. Um fracasso comercial, que apontou direções que ela parecia caminhar. Essas, se encontrando em seu terceiro projeto, e talvez o mais único dos três: O Urso do Pó Branco.

Definitivamente, o longa foi vendido como algo que ele não é. Parecia ser uma mistura de um trash com os elementos cômicos, trazendo o melhor de um subgênero um tanto quanto esquecido em um cinema americano mais comercial (Mr. Oizo consegue brincar com isso no cinema francês, por exemplo). Contudo, apesar de conter esses óbvios elementos, vemos aqui um trabalho em um olhar bem claro de desmistificar a masculinidade de seu universo. Ao mesmo tempo que constrói tudo durante a primeira meia hora, ele faz de tudo para isso ser desconstituído, quebrado “por dentro”.

A diretora faz isso através de vários arcos que vão se apresentando. Em um deles, uma mãe (Keri Russell) busca a filha (Brooklynn Prince) que desapareceu ao faltar um dia de aula. Em outro, dois traficantes vão em busca de recuperar uma cocaína que desapareceu. Em um terceiro, uma guarda florestal (Margo Martindale) tenta se mostrar altiva e imponente, em meio ao ataque de um trio de garotos. Esses mundos são, literalmente, colocados em cheque para fazer parte de um mesmo microcosmo. Banks idealiza esses olhares ao fazer sua produção nunca buscar tons diferentes – todos são similares, e ecoam as mesmas características. O que contrasta é, claro, o urso, uma figura cômica e bizonha por natureza, que impõe o ridículo ao ficar viciado em cocaína e, desse jeito, atacar qualquer pessoa que vê pela frente.

O elemento masculino é peça chave para compreender os temas explorados em O Urso do Pó Branco. Desde a figura desse predador da natureza, até mesmo todos os homens que se colocam sempre de frente. O núcleo mais “sério”, por assim dizer, é aquele dos traficantes, só que eles são sempre expostos ao ridículo. Do mesmo jeito, o ambientalista (Jesse Tyler Ferguson), paixão da guarda, é o primeiro a culpar crianças e mulheres pela atitude do urso. Completando isso, a única pessoa que parece realmente conseguir avançar passos para atingir o objetivo é uma mulher, uma mãe, atrás de sua filha.

Todas questões masculinizadas são sempre postas em contradição. Tanto que o momento mais engraçado de todo o filme é justamente a cena que envolve a policia e o tráfico se confrontando, com o urso nas proximidades. Ou seja, no auge da masculinidade, nem eles mesmos conseguem perpassar ou conquistar algo. O olhar menos brutalizados dos personagens é os que faz sempre avançar (destaque para a sequência climática, que acrescenta bem isso).

O filme consegue ser grandioso justamente na brincadeira de não ser realmente uma grande produção de gore e nem uma comédia escrachada. Ao saber usar esses elementos, é como se Banks desse passos rumo a uma consolidação de ideia em seu cinema, em um olhar feminino para universos dominados por homens – a ação, terror e comédia como isso bem na cara. O maior problema é que os olhares mais tradicionais da própria narrativa (a perseguição, as piadas envolvendo genitália, entre outras), ganham espaço também, quase de um jeito limitante. Isso faz a duração travar e torna tudo até meio enfadonho, como se não houvesse algo a mais além disso. O problema é que os próprios acontecimentos mostram o contrário.

O Urso do Pó Branco ganha mais no seu olhar de sátira do que de um cinema pipoca. É claro que o mais interessante para o próprio longa é o segundo caminho, em ser uma grande piada por si só. Porém, Elizabeth Banks sabe transformar bem os elementos mais simples em discussões aparentemente banais. Seus homens, desse jeito, são brutos, mas falhos, errados e sem uma verdadeira capacidade de sobreviverem. Enquanto isso, as mulheres são figuras notabilizadamente frágeis – a priori – que vão se mostrando duras, capazes de enfrentar algo. Talvez uma aleagoria feminista não seja o que se espera de um filme sobre um urso que cheira cocaína. Mas é isso que a diretora traz.

Comentários

Cláudio Gabriel

É apaixonado por cinema, séries, música, quadrinhos e qualquer elemento da cultura pop que o faça feliz. Seu maior sonho é ver o Senta Aí sendo reconhecido... e acha que isso está mais próximo do que se espera.

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