Crítica – Planeta dos Macacos: O Reinado
A renovação da franquia Planeta do Macacos a partir de 2011 começou de uma forma meio morna, mas em um filme que quase reimaginava toda a obra original. Planeta dos Macacos: A Origem tinha uma ideia temática de fugir do confronto sobre a ideia mais antropológica de humanidade e partir em busca de uma discussão sobre linguagem. Não a toa, o grande ápice é no confronto de Caesar (Andy Serkins) com Will Roadman (James Franco), na qual o macaco pela primeira vez pronuncia uma palavra e é “Não!”, rebatendo a tudo que sofria.
Trilhando esse caminho, Planeta dos Macacos: O Confronto, de 2014, e Planeta dos Macacos: A Guerra, de 2017, ambos dirigidos por Matt Reeves que, anos mais tarde, faria The Batman, seguem uma toada similar. A discussão gira sempre em torno das diferentes maneiras de observar essa “humanização” dos primatas, enquanto figuras ligadas a um lado anterior da evolução humana. É como se os longas buscassem reimaginar toda a discussão antiga da antropologia da dicotomia entre natureza e cultura, entre aquilo que é inerente do ser humano e da vida, e do que é construído pela nossa capacidade de inteligência.
Passados alguns anos, Planeta dos Macacos: O Reinado demonstra como se a cultura, agora dos macacos, estivesse estabelecida em um novo universo. Os humanos, antes figuras presentes nos três filmes, são seres quase esquecidos no tempo, até mesmo estranhos. Não a toa, a obra deixar essa questão bem clara quando, na cena de abertura, mostra o funeral de Caesar, protagonista da trilogia anterior. Ao mesmo tempo que busca por um olhar para frente, constrói também a ideia imperativa de que ele não é mais preciso, visto que essa é a nova realidade.
Desse jeito, o filme, agora dirigido por Wes Ball (que fez os três Maze Runner), se estabelece em uma discussão base presente na ideia de cultura: a crença e a religiosidade. Até porque, enquanto uma figura messiânica, Caesar agora é vislumbrado por diferentes tribos e grupos como alguém imponente para os símios. Entretanto, há aqueles que buscam observar suas palavras em toda a concepção original – algo representado por Raka (Peter Macon) -, enquanto outros tem provisões mais apocalípticas e “deturpadas” do que se pensava o líder – na imagem do vilão Proximus Caesar (Kevin Durand).
Apesar disso, nenhum dos dois é o grande protagonista da história, que passa sob os olhos de Noa (Owen Teague), um jovem macaco que busca vingança após ter sua tribo atacada. Aliás, todo seu trilho inicial, que esbarra em uma jornada clássica de herói, demonstra bem como Ball se usa dos comparativos dele com Caesar, como alguém que poderia vir a ser ele em um futuro distante. No entanto, agora precisa enfrentar um universo particular em que a cultura desses animais é tão introjetada no mundo, a ponto deles viverem uma espécie de pré-história particular (divisão em tribos separadas, pequenas cidades sendo fundadas, crenças em figuras naturais).
É até curiosa a forma como Planeta dos Macacos: O Reinado é um filme muito centrado em um olhar bem técnico dos seus temas, ao mesmo tempo que segue uma narrativa bem simplista de fuga e caça. Nesse sentido, a figura da humana Mae (Freya Allan), encontrada no meio do caminho e que busca encontrar outros humanos, é um reforço de como essas discussões totais ao longo da saga são retomadas. E, por isso, o road movie que é estabelecido em cerca de um terço da duração parece algo tão perspicaz em abrir a chance do contato com o outro, visto que só tem eles ali para seguir, mesmo que haja uma discordância – recorda muito a relação do trio de O Mundo Odeia-me, de 1953, dirigido por Ida Lupino.
Mas é quando o longa chega em sua parte final que parece perder justamente esse lado que tem de mais intrigante. Se estabelecendo como um filme menos aberto ao próprio debate e mais como uma trama mais direta, é quando suas nuances ficam mais perdidas. O olhar sob o outro praticamente vira algo menor. Mesmo assim, O Reinado reforça sua visão sobre outro tema fundamental da cultura: a família. Essa, que se transforma em uma chave até o fim dos acontecimentos.
Wes Ball transforma Planeta dos Macacos: O Reinado em menos um filme em que a ação é o estabelecimento completo do confronto sobre humanidades, sobre a natureza e cultura. Ela aqui é um fator prepoderante para esse novo movimento de símios estabelecidos, que disputam o controle “cultural”, por assim dizer. No fim de tudo, pouco importa quem vai estabelecer realmente o domínio para os que estarão ouvindo. Afinal, ainda existe a máxima de que a História é construída pelos vencedores. Entretanto, abrindo margens para a continuidade da saga, o final deixa a pergunta em aberta: “afinal, quem realmente venceu?”.