Crítica – Tokyo Vice (1ª Temporada)

Tokyo Vice possui um desafio curioso para ser superado: aquele estabelecido por seu próprio piloto, dirigido por Michael Mann. Muito do marketing da série foi construído se apoiando no envolvimento do diretor de Fogo Contra Fogo, afinal, seu último trabalho foi em 2015, com Hacker. Poucos fãs perderiam a chance de assistir um novo trabalho de Mann, e nesse sentido, a abertura da série da HBO não desaponta.

A introdução da série apresenta Jake Adelstein (Ansel Engort), americano que se mudou pro Japão na tentativa de se tornar jornalista no Meicho Shimbun, um dos mais importantes jornais diários japoneses. Seu status de outsider é enfatizando a todo o tempo. Mann frequentemente coloca o personagem em situações onde ele, inevitavelmente, se destaca, simplesmente por ser americano. Em uma barraquinha de ramén, ele é visto estudando intensamente o idioma; numa balada, ele é mais alto que todos os presentes; e na prova que precisa fazer para entrar no jornal, um plano aberto enfatiza seu deslocamento: ele não se parece com ninguém ali. Tudo isso carregado com a atmosfera bem única criada por Mann, com o ruído digital característico de seus filmes bem presente. 

Mas tudo que é bom, uma hora acaba, e os 7 episódios seguintes dessa primeira temporada são muito mais tradicionais em sua forma. Com Jake alcançando a posição de jornalista no Meicho, a trama da série logo passa a ser mais investigativa, envolvendo policiais corruptos, clãs rivais da Yakuza e muito mais. Além de Adelstein, outros personagens ganham seu protagonismo também, como Sato (Sho Kamatsu), um jovem Yakuza que ascende rapidamente dentro de seu clã, mas fica conflitado com a condução de alguns negócios, e Samantha (Rachel Keller), uma hostess com passado misterioso, que se envolve romanticamente com Sato.

Os caminhos do três se entrecruzam de diversas maneiras, sempre com a sombra da organização criminosa marcando a relação do trio. Tokyo Vice, no entanto, acaba se perdendo entre os fios narrativos. Se expandir a história para além da percepção de Jake tem o benefício de evitar uma história que trata o Japão como um país “exótico” e “estranho” – coisa que o livro em que a obra é baseada por vezes faz -, o ritmo da trama acaba sendo um tanto prejudicado, já que certos plots se iniciam, e são simplesmente esquecidos, ou então não possuem consequências muito duradouras.

Um pequeno exemplo: nos episódios iniciais, Jake, enganado por uma fonte, escreve uma noticia que logo se revela falsa. A editora-chefe do jornalista, Eimi (Rinko Kikuchi), o avisa que ele precisa escrever uma história até o fim do dia, caso contrário, será demitido. O que poderia ser um importante momento dramático para o personagem, cujo piloto consiste inteiramente em seu esforço em conquistar tal posição, é descartado, sem muita explicação ou conclusão. Esses momentos mais pessoais são atropelados pela história geral, envolvendo a guerra de território entre dois clãs Yakuza.

Talvez até por isso Sato acabe sendo o personagem mais interessante, já que suas questões interiores estão mais em sintonia com os tons de cinza explorados na guerra entre as duas facções. Na briga entre Tozawa (Ayumi Tanida) e o clâ de Sato, o Chihara Kai, seria fácil observar o primeiro como o “vilão” da história, enquanto o Chihara Kai seria uma espécie de “anti herói”. Mas por meio do personagem, podemos testemunhar que a facção não abre mão da crueldade e do abuso para impor o que acha correto.

Assim, desajeitada, Tokyo Vice conclui a sua primeira temporada. Não deixa de ter seus pontos interessantes para além do episódio dirigido por Mann, como a relação entre Sato e Samantha, porém há muitos becos ao longo dos episódios que prejudicam o ritmo da série. O cenário que se instala para uma futura temporada é interessante, mas fica a impressão de que muito foi sacrificado para se chegar nesse ponto, com tudo o que acontece nessa primeira leva de capítulos servindo como um enorme “piloto” para o que vem aí.

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